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Tribuna Livre

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Coluna foi publicada no domingo (12)

Pedro Valls Feu Rosa | 15/05/2024, 17:36 17:36 h | Atualizado em 15/05/2024, 17:36

Imagem ilustrativa da imagem E aqui?
Pedro Valls Feu Rosa

No já distante ano de 2003, aos 12 dias de março, Chris Huhne acionou o motor de seu potente BMW e entrou na rodovia M11, no Reino Unido. Já era tarde, a estrada estava vazia e, assim, este intrépido motorista decidiu trafegar em velocidade superior à permitida – dirigiu a 32 km/h acima do limite. Eis que ele foi surpreendido por uma câmera de vigilância. Seguiu-se a emissão de uma autuação por excesso de velocidade.

Chris Huhne, político de projeção, não desejando ter sua imagem pública manchada por conta de infrações de trânsito, buscou alguém para assumir a culpa – e foi assim que entrou neste enredo sua esposa Vicky Pryce, “eleita” para declarar-se culpada por aquela infração.

O problema é que descobriram a manobra, quando então começou um processo criminal contra ambos. Enquanto isso, o tempo passava e a carreira política de Chris Huhne acelerava: ei-lo eleito membro do Parlamento e nomeado ministro de Estado.

Exatos dez anos depois, o sistema legal britânico, finalmente, deu seu veredito: Chris Huhne e sua já ex-esposa Vicky Price eram culpados e como tal foram condenados a uma pena de oito meses de prisão.

A esta altura, o político já renunciara ao cargo de ministro de Estado e até mesmo ao mandato de parlamentar – a opinião pública simplesmente não aceitou que pessoa tão relevante mentisse tão descaradamente sobre uma questão tão simples.

Ao sentenciar o casal assim disse o juiz:

“Ofensas desta natureza atingem o coração do sistema de justiça criminal. Afinal, o propósito do sistema de pontuação é que aqueles que eventualmente dirijam de forma imprudente sejam punidos com a suspensão do direito de dirigir, o que serve para desencorajar o cometimento de outras infrações e proteger o público. O sistema depende, relativamente aos motoristas surpreendidos pelas câmeras, do reconhecimento honesto da culpa. O preenchimento desonesto de formulários (atribuindo a outra pessoa a culpa pela infração) é algo fácil de fazer, e a troca de responsabilidades frequentemente acaba passando despercebida”.

E prosseguiu o magistrado: “Esta prática corresponde a uma ofensa criminal séria, pois tende a perverter o curso da Justiça, e, assim, uma condenação imediata a dada pena de prisão deve ser aplicada. Eis aí um tipo de ofensa que requer deste tribunal a observação de que a prevenção geral é um dos objetivos da sentença” – vale dizer, fazendo uso das palavras de Lord Halifax, “não se enforca um homem por ele ter roubado cavalos, mas para que cavalos não sejam mais roubados”.

Transcrevo as palavras do então primeiro-ministro David Cameron: “Eis aí uma advertência de que ninguém, não importa o quão importante ou poderoso seja, está fora do alcance do sistema Judiciário”.

O Reino Unido, evidentemente, não é um país perfeito. Mas que tal meditarmos sobre este episódio? Há, nele, alguns aspectos relacionados à cultura e ao comportamento de todo um povo – e das instituições que o representam – que mereceriam profunda análise sob o pano de fundo da nossa realidade.

- Pedro Valls Feu Rosa é desembargador do Tribunal de Justiça do Espírito Santo

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