Desafio da valorização da herança africana no Brasil
Artigo publicado na coluna Tribuna Livre
Este ano, comemoramos pela primeira vez, o 20 de novembro como um feriado nacional, um marco importante para a memória histórica do Brasil. Antes de refletirmos sobre esse dia, gostaria de chamar a atenção para o tema proposto para a redação da última edição do Enem: “Desafios para a valorização da herança africana no Brasil”.
Este tema, longe de ser complexo, nos coloca frente a uma realidade que deveria ser mais natural para todos nós, pois, em um país onde a maioria da população se autodeclara preta ou parda, não deveríamos ter tanta dificuldade em falar sobre a África e sua contribuição para a formação do Brasil.
O Brasil é o país fora da África com a maior população de pessoas negras. Isso não é apenas uma característica demográfica, mas uma marca de nossa história e identidade. Festeiros e acolhedores por natureza, celebramos com entusiasmo as contribuições de imigrantes de várias partes do mundo.
Mas quando se trata da nossa herança africana, muitas vezes ficamos em silêncio. A relação com o continente africano, com sua história, cultura e lutas, ainda parece ser um tema difícil de abordar.
Essa dificuldade em falar sobre a África e a cultura afro-brasileira se reflete em vários aspectos da sociedade, incluindo a educação. A Lei nº 10.639/03, que completou 20 anos em 2023, tornou obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira nas escolas públicas e privadas de educação básica.
A lei visa corrigir uma lacuna histórica, promovendo o conhecimento sobre a contribuição dos africanos e seus descendentes para a formação do Brasil. No entanto, uma pesquisa realizada pelo Geledés Instituto da Mulher Negra e pelo Instituto Alana, em 2022, revelou que mais de 70% dos municípios brasileiros ainda não implementam a lei de maneira efetiva. De acordo com o levantamento, apenas 29% das secretarias de educação têm ações consistentes e permanentes para o ensino da história e cultura afro-brasileira.
A Lei nº 10.639/03 institui que os educadores devem abordar, em sala de aula, temas como a história da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra e a participação do negro na formação da sociedade brasileira, nas áreas social, econômica e política.
No entanto, apesar dos 136 anos desde a Abolição da Escravatura, a população negra no Brasil ainda enfrenta desafios significativos, não apenas no acesso a direitos e oportunidades, mas também no reconhecimento de sua contribuição fundamental para a construção do País.
É importante lembrar que, enquanto o Brasil celebra o 20 de novembro como o Dia da Consciência Negra, esse momento de reflexão não deve ser pontual. A valorização da herança africana e a luta pela igualdade racial devem ser um compromisso diário de todos nós. Não podemos esquecer que, além do ensino, a luta por igualdade racial se reflete também nas políticas públicas, no mercado de trabalho e em diversas outras áreas que ainda carecem de ações mais efetivas para garantir que negros e negras tenham as mesmas oportunidades que outros grupos no País.
VERÔNICA LOPES DE JESUS é presidente da ONG capixaba Instituto Oportunidade Brasil (IOB) e uma das fundadoras do coletivo Clã das Pretas