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Tribuna Livre

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Colunista

Leitores do Jornal A Tribuna

Amélia e a violência doméstica

| 09/06/2020, 06:59 06:59 h | Atualizado em 09/06/2020, 07:04

A violência doméstica contra a mulher nestes tempos de pandemia tem crescido muito, lamentavelmente. Estima-se que o aumento nos casos chegue a 50%, normalmente em atos praticados pelos companheiros.
O feminicídio aumentou 22%. O lar, que deveria ser lugar de acolhimento e paz, tornou-se palco de guerra. Essa tendência é percebida em vários países, incluindo os pretensamente “civilizados” europeus.
Esse estado de coisas nos leva a pensar sobre o tipo de crise civilizatória que vivemos, com a ascensão do caos, da intolerância e da violência entre companheiros, sejam maridos, conviventes, namorados ou ex. Parece que o surto de opressão e submissão contra a mulher sai de sua latência e explode nos momentos de crise, quando homens que não toleram ser contrariados revidam com violência física ou moral.
Por acaso, lembrei-me da música “Ai, Que SaudadeS da Amélia”, com letra de Mário Lago e música de Ataulfo Alves.
A obra tornou-se conhecida como uma irônica e machista representação de mulheres submissas e oprimidas. Mas, estaria correta esta interpretação? A história é narrada por um eu poético masculino e, como se sabe, cada um conta a história como lhe convém. Todavia, apenas para interpretação textual, digamos que a história seja literariamente verdadeira.
O eu poético inicia por fazer uma árdua crítica a uma mulher, supostamente sua então companheira, dizendo-lhe que era egoísta e consumista: “Tudo o que você vê, você quer”, para, em seguida, tecer loas à Amélia, que, provavelmente, teria sido sua ex-companheira: “Aquilo sim é que era mulher”.
O companheiro afirma que, às vezes, Amélia passava fome a seu lado e achava bonito não ter o que comer; e, quando ela o via contrariado, lamentava: “O que se há de fazer? ”.
Ele não fazia qualquer crítica à Amélia por ser uma pessoa resistente à dureza da vida. Nem a humilhava por isso. Antes, a considerava uma amada companheira, com quem partilhava as dores e lhe levantava o ânimo com bom humor e resignação. E não era resignação de pessoa submetida, mas, sim, tenacidade de uma fibra moral que não se deixava esmorecer na adversidade.
O eu poético não se comprazia em vê-la sofrer, mas, tendo-a por admiração e grande valor, por ela se sentia amparado.

Ele ressalta seu apreço pela companheira ao cantar: “Amélia não tinha a menor vaidade, Amélia que era mulher de verdade”. Essa falta de vaidade não era um defeito dela porque, amando-a, ele lhe valorizava o caráter forte, resiliente e empoderado.

Nunca saberemos qual foi o fim daquela união. Teriam eles se separado? A morte a levou? A música não o diz. Também não saberemos que versão Amélia teria a contar a respeito da mesma história, já que os compositores se foram.

Definitivamente, ela era mulher de valor e caráter. Tinha força moral suficiente para não ser derrubada pelas durezas da fome e da vida rústica que levava; ao contrário, sentia-se poderosa ao não aceitar que o mundo a subjugasse e a fizesse sofrer. Como um iogue hindu, não se deixava abalar pelo mundo, ao ponto de achar bonito não ter o que comer.

A personagem não deveria ser símbolo de mulher oprimida, mas, pelo contrário, insígnia de mulher forte, destemida e companheira, cheia de grandes virtudes e admirada por seu companheiro.

Amélia sabia que o maior fato político é a nossa vida.

Sergio Lievore é advogado.

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