Por trás das máscaras
Ela vinha caminhando em minha direção, de rabo de cavalo, óculos escuros e máscara. Graças à educação que recebi em casa, disse a ela “bom dia”, como digo a todos com quem cruzo durante uma caminhada, mesmo nunca tendo visto a criatura na vida e sabendo que depois do bom dia virá o nunca mais.
Pois então: eram oito da manhã, eu estava com os fones enterrados nos ouvidos e o pensamento do outro lado do oceano. A música vibrante ajudava a manter as passadas ritmadas do exercício, e ao cruzar por ela, ofereci meu cordial e singelo bom dia.
Ela parou, olhou fixo para mim, abriu um sorrisão e respondeu: “Que bom dia, o quê? Não tá me reconhecendo?”.
Misericórdia. Não se faz isso com uma desmiolada que já escreveu meia dúzia de crônicas avisando que é péssima fisionomista e que não reconhece ninguém que não esteja em seu habitat costumeiro (sou capaz de passar reto pelo porteiro do meu prédio se o encontrar numa fila de cinema).
Não bastasse, o vigoroso Pet Sematary dos Ramones quase impediu que eu escutasse o que a garota continuou falando depois de eu ter confessado que não a reconhecia: “Eu te atendi um ano atrás, quando tu tiveste uma contratura lombar”.
A fisioterapeuta! Por graça divina, o nome dela me veio à boca em um segundo, o que atenuou a gafe, minha reputação estava quase salva, faltava só expiar a culpa. “Desculpe, Carolina, desculpe, sou terrível mesmo, um caso perdido”. “Deixa disso, tá tudo certo, já faz um ano – e quem é que reconhece alguém de máscara?”
Pois é. Máscara. Óculos escuros. Alguns ainda complementam o disfarce com um boné. Eu nem preciso usar a distância de um ano inteiro como justificativa, a pandemia criou a armadilha perfeita.
Se já não sou craque em reconhecimento facial quando a pessoa está com os olhos, o nariz e a boca à mostra, imagina agora, neste planeta de mascarados circulando pelos parques e corredores dos supermercados (outro lugar onde pago micos dramáticos).
Mas descobri que há outros meios de identificação. Quando fui levar minha mãe para vacinar num drive-thru, eu estava de máscara e óculos escuros, dirigindo o carro. Quando chegou a vez dela, dei bom dia à enfermeira e perguntei se poderia fotografar a cena histórica. Ela olhou para mim e respondeu: “Martha?”.
Ai, Jesus. Seria uma ex-colega do colégio? Uma prima do interior? Calma, era apenas uma leitora que costuma assistir às minhas lives, tão simpática quanto a fisioterapeuta e demais pessoas normais, que reconhecem umas às outras apesar de todos os obstáculos em frente ao rosto. “Estou usando máscara e óculos escuros, como você me reconheceu?”, perguntei a ela. “Pela voz, ué.”
Dizer o quê? Bom dia.