Adorável esquisitice
Nunca tinha ouvido falar de Fran Lebowitz. Seu sobrenome me remeteu instantaneamente à fotógrafa Annie Leibovitz (frutos do mesmo pé, pensei), mas logo percebi que era ilusão de ótica: o “w” de uma não dialoga com o “v” da outra. Em comum, apenas o talento, cada uma com o seu. Nos anos 1970, Fran assinava uma coluna na revista Interview, de Andy Warhol, e dali saltou para os livros de crônicas e participações em programas de entrevistas, onde dá respostas ácidas e cômicas para qualquer pergunta, sobre qualquer assunto: virou cult.
Uma espécie de Dorothy Parker, também ela uma crítica perspicaz da sociedade norte-americana, falecida em 1967.
Além da verve afiada, Fran tem como grande amigo Martin Scorsese, que a dirigiu na série queridinha do momento, Faz de conta que Nova York é uma cidade, e que tornou popular, entre nós, esta adorável estranha – estranha não apenas no sentido de desconhecida, mas também na aparência, com seus ternos Saville Row e botas de cowboy, um look andrógino que ela mesma reconhece como esquisito, mas que é seu uniforme desde garota.
Adorei conhecer Fran Lebowitz e seu sarcasmo, suas neuras, sua inteligência. Alguém dirá: claro, ela é a personificação de Woody Allen!
Idênticos eu não diria que são, o cineasta está mais bem pontuado no meu ranking, mas a comparação procede.
Há quem não goste do estilo ranzinza de ser, e já ouvi comentários desabonadores sobre este tipo de (mau) humor que detona com tudo o que o senso comum idolatra – no caso da série, a cidade de Nova York.
Eu gosto de quem é crítico em relação ao que ama. Quando Fran fala sobre os bueiros, o metrô, os pedestres que não cruzam olhares ou a especulação imobiliária, não está pensando em fazer as malas e partir: ela está declarando seu amor a uma metrópole que jamais conseguirá abandonar.
Nós também somos mais críticos com nossos familiares do que com amigos: quando o vínculo é vitalício, desejamos nada menos que uma relação perfeita, e por isso somos mais severos e impiedosos. Aos que não têm o nosso sangue, aí sim, toda a condescendência do mundo.
Casamentos, mesma coisa. Quando o parceiro ou parceira encasqueta com nossos defeitos e tenta (sem sucesso) consertá-los, é chato, mas tem amor incluído.
Alerta eu fico é quando o outro deixou de se importar. Quero que ao menos se divirta implicando com minhas manias, enquanto eu me divirto com suas excentricidades. Esquisitices sempre trazem embutida alguma ternura e nos fazem rir – quando não nos apaixonam.
Eu, por exemplo, me apaixonei por Fran, pela série e ainda mais por Nova York. Impossível resistir à sedução de quem sabe encontrar os argumentos certos para combater o que está consagrado, apesar da rabugice. E, melhor ainda, não sendo parente meu.