Um choque anafilático me fez médico
Coluna foi publicada nesta terça-feira (18)
Quando se fala em carreira médica, é comum, em especial entre os estudantes que estão escolhendo suas profissões, que venha a ideia de um conto de fadas. No entanto, a realidade pode ser diferente para cada pessoa. No meu caso, uma desavença com o sistema imunológico me conduziu à medicina.
Acendendo o passado com a chama da memória, vejo um garotinho brincando em um terreno baldio, ao lado da sua casa. Esse menino era eu, um gordinho sonhador, com 12 anos de idade.
Naquele paraíso, eu corria, pulava e trepava nas árvores. Numa bela manhã, pisei em um prego enferrujado, provocando, além de dor e sangramento, sérias consequências.
Preocupada com aquele ferimento contaminado, minha mãe me levou à Santa Casa de Misericórdia, onde fui medicado com soro antitetânico.
Produzido a partir do plasma de cavalos hiperimunizados com toxina tetânica, esse tipo de vacinação passiva pode desencadear reações adversas, como choque anafilático. Apesar disso, seria necessário utilizar anticorpos de equinos, já que eu não poderia aguardar a lenta defesa gerada pela vacinação ativa.
Anafilaxia é uma reação alérgica grave, que surge após contato com uma substância a que se tem alergia, como aconteceu comigo, ao ser medicado com soro antitetânico.
Devido à gravidade dos sintomas e ao risco aumentado de não conseguir respirar, é importante que o tratamento seja iniciado o mais rápido possível, evitando dramáticas complicações.
Durante o choque anafilático, o sistema imunológico tem ações extremas, com o objetivo de defender o organismo do ataque feito pela substância causadora de alergia.
A glote, estrutura do trato gastrointestinal responsável por impedir a passagem de alimento ao pulmão, se fecha, impedindo que a pessoa consiga respirar normalmente, ameaçando a vida.
Enquanto eu descia a ladeira do hospital, de mãos dadas com minha mãe, essas estranhas estruturas de defesa penetravam em minha corrente sanguínea, fazendo meu sistema imunológico reagir de maneira agressiva, produzindo um desastroso choque anafilático. O desfecho fatal ficaria a cargo do colapso circulatório e da insuficiência respiratória.
Em dado momento, reclamei que não estava conseguindo respirar e desmaiei. Diante dos gritos de minha mãe, fui imediatamente socorrido e transferido para o setor de emergência, recebendo suporte de oxigênio, adrenalina, corticoides, anti-histamínicos, vasopressores, broncodilatadores e, principalmente, cuidados médicos.
Desesperada, mamãe achava que eu iria morrer. Enquanto ela clamava pelo socorro divino, a equipe médica fazia aquilo que podia, buscando acalmar meu sistema imunológico que, aos poucos, foi deixando minha vida em paz.
Na verdade, eu não me lembro desses trágicos momentos. Tomei conhecimento do ocorrido, apenas quando melhorei. Agradecido a Deus, à ciência e à abnegação daqueles “anjos” de branco, decidi fazer Medicina.
A virtude e o talento fizeram desses médicos a minha referência.