O poder curativo da dor
Durante uma torturante cólica intestinal, cada espasmo é precedido da angústia do próximo, até que a dor seja substituída pelo almejado alívio.
A medicina vem evoluindo por conta do esforço do ser humano em prol de um mundo sem sofrimento. Houve época em que os médicos acreditavam que algum grau de dor era saudável.
Cirurgiões importantes relutavam em adotar anestesia geral durante uma cirurgia, por acreditarem que a dor adicionava a resposta imunológica, apressando a recuperação.
Embora isso nunca tenha sido provado, existe a evidência de que tomar anestésicos opioides durante a cirurgia retarda a recuperação.
O esforço calculado para diminuir a dor e a inflamação deve ser visto com cautela. Um grau moderado de dor e inflamação são os instrumentos a que a natureza recorre para resolver seus propósitos.
Qualquer forma de dor nunca é bem-vinda, não apenas porque machuca, mas também porque se acredita que estimule o cérebro, deixando feridas neurológicas. Não devemos confundir dor com masoquismo, esse servo do sadismo.
Apesar disso, o exagero de fuga do sofrimento nos faz perder a capacidade de tolerar até formas menores de desconforto.
Durante a Segunda Guerra Mundial, soldados com ferimentos graves relataram pouca ou nenhuma dor imediatamente após serem feridos, apesar dos ferimentos apresentarem risco de morte.
Acredita-se que a dor física era contrabalanceada pelo alívio emocional de estar vivo. A dor, por pior que fosse, oferecia-lhes um testemunho de vida.
Nosso maquinário neurológico está perfeitamente adaptado a um mundo de escassez. Por isso, ele usa o prazer e a dor. Sem o primeiro, não comeríamos, beberíamos, nem nos reproduziríamos. Na ausência da dor, não nos protegeríamos dos perigos e da morte.
A questão é que os seres humanos, evolutivos, reagiram bem demais ao desafio da busca do prazer e evasiva da dor. O resultado é que transformamos o mundo, de um lugar de escassez, em um local de abundância excessiva.
Entretanto, o cérebro não evoluiu para esse universo de fartura. A consequência é que agora precisamos de mais recompensa para sentir prazer, e suportamos menos danos para sentir dor.
Não é fácil observar o que nosso cérebro está fazendo; afinal o órgão que usamos para examinar o cérebro é o próprio cérebro!
Durante a maior parte da história humana, as pessoas se banharam em água fria, atitude atualmente negligenciada pela maioria da população.
Recentemente, estudos mostraram que as concentrações da prazerosa dopamina, no sangue desses indivíduos, aumentam em 250%.
Além da elevação desse neurotransmissor, demonstrou-se que o frio extremo em animais promove crescimento neuronal. As mudanças estruturais observadas no cérebro do animal que hiberna estão entre as mais notáveis na natureza.
O prazer é a resposta fisiológica do corpo ao sofrimento. Onde quer que um se encontra, o outro segue atrás.
Assim como um fogo devora outro fogo, uma dor também pode ser curada com outra dor.