A arte da ciência médica
Coluna foi publicada nesta terça-feira (15)
“O que lhe dói o corpo e lhe aflige a alma?” Com essa frase incomum, começo minhas consultas, deixando o paciente sorridente, pensativo ou curioso. Medicina se faz com conhecimento, intuição e perspicácia.
Médicos tratam doenças. Mas, o que é doença? “Ora, doença é ausência de saúde?”.
De forma circular, poderíamos também dizer que “saúde é ausência de doença”. Voltamos à estaca zero.
Existem doenças simples e doenças que abrem um fosso entre o paciente e o resto das pessoas. Aidéticos já foram discriminados pela sociedade.
Por aí se vê como a interpretação compete com a realidade dos fatos.
Antes de ser tratada, a enfermidade precisa ser diagnosticada. O primeiro passo do médico é sempre o diagnóstico. O paciente chega ao consultório trazendo consigo uma queixa.
Compete ao médico decodificá-la e transformá-la em doença.
Algumas vezes, o resultado é imediato, como acontece diante de uma fratura óssea ou um abscesso cutâneo, por exemplo. Nem é preciso pensar muito. A distância entre a doença e a queixa pode ser curta.
Mesmo assim, é necessário evitar julgamentos apressados.
Uma trivial dor de cabeça pode ser a ponta do iceberg de um nefasto tumor cerebral.
Em geral, os diagnósticos não são obras de um momento, tendo em vista envolver todo um processo de raciocínio e dedução, que visam encontrar pistas.
Para chegar a esse ponto, a medicina levou séculos. Inicialmente, ela teve que deixar para trás a mística, a mágica, a superstição, a astrologia e a crença na ira divina.
Ao ser aceito que as doenças eram muitas, e que cada uma delas obedecia às suas próprias causas, a ciência edificou a medicina.
Entretanto, como os sinais e sintomas raramente são específicos de uma única patologia, o raciocínio diagnóstico acaba esbarrando num leque de diferentes possibilidades. A febre, por exemplo, é um sintoma comum a várias enfermidades.
Patologias diferentes apresentando mesmos sinais e sintomas tornam o diagnóstico um quebra-cabeças.
Não é comum que ele se deixe armar por completo; quase sempre lhe faltam peças. Outras vezes a caixa vem com peças estranhas, que não se encaixam dentro do conjunto, pois pertencem a outro recipiente.
As doenças são iguais, os doentes são diferentes. Diagnosticar é uma atividade que não se dá bem com a certeza absoluta.
As possibilidades estão sempre presentes. Perseguir um diagnóstico é como fazer o retrato falado de um criminoso.
Se a testemunha puder apenas descrevê-lo como um homem branco, de cabelos castanhos e estatura mediana, a contribuição para fins de investigação é insignificante, pois existem milhares de pessoas com essas características.
Caso outra testemunha, por acaso, se recordar que o indivíduo procurado, além de mancar da perna esquerda, tem uma cicatriz no rosto, a possibilidade de ele ser o criminoso, torna-se mais concreta.
A medicina moderna conta com vertiginosos recursos técnicos. Todavia, o instrumento que o médico mais precisa aperfeiçoar é a si próprio.