Propósito ou legado?
Propósito é o que nos move, mas legado é igualmente importante. Daí, ser essencial respirar e questionar o que já temos, o que realmente importa (ou quem) e, em vez de correr tanto, tentar construir algo em cima de algumas reflexões simples, mas cruciais. E que podem fazer muita diferença em nossa vida.
Você já parou para pensar o que sonha deixar para as pessoas com as quais se importa?
A mãe de Helena, que trabalhou comigo durante mais de 25 anos, soube fazer isto. E hoje, toda a família se beneficia de seu legado. Que não foi pouca coisa. Veja só.
Ela era uma mulher de poucas posses, mas de cabeça muito boa e sabia bem o que queria. Teve quatro filhas mulheres (não sei se teve homens, conheci apenas as mulheres).
Durante sua vida, juntou tudo o que pôde para comprar um terreno espaçoso no bairro onde morava, e lá construiu sua casa.
Não foi pouco sacrifício: em uma época em que o País não reconhecia o serviço doméstico, sair do aluguel e dar, não apenas estudo, mas alguns cursos extras para as meninas, como datilografia, demandava foco, e muita economia.
Não a conheci, mas sempre dizia a Helena (que regula comigo em idade) que, a julgar pela filha, a mãe devia ser muito especial).
E era: ao morrer, deixou para as quatro filhas o terreno – que, como disse, era espaçoso o suficiente para que as quatro construíssem ali suas casas, com um quintal comum e um bom espaço para criar as respectivas famílias.
As filhas aprenderam um pouco de tudo: cozinham, costuram, mas, principalmente, entenderam a importância do espírito
de união, valores familiares e lealdade.
O legado da mãe lhes permitiu um que criassem seus filhos com um certo conforto e juntos, uns tomando conta dos outros.
Assim, até hoje, a família conta com uma invejável rede de apoio entre primos e sobrinhos. Como se vê, o legado da mãe de Helena foi muito além do terreno espaçoso.
No tempo em que esteve em casa comigo, Helena contava como andava a vida dos três filhos, que criou seguindo o exemplo da mãe, com pulso firme, amor e cabeça no lugar.
A filha, Paula, veio me assessorar no escritório, quando eu não dava conta de escrever e viajar com palestras – e aqui ficou por 17 anos.
Hoje, os filhos (todos com profissões definidas e carro próprio) também tiveram a vida virada do avesso pela pandemia, como muita gente. Mas contam uns com os outros.
Com o legado de valores deixado pela avó e pela mãe, estão conseguindo atravessar o tsunami.
Helena, aposentada, cedeu a sua casa grande e mais confortável para Paula, que, por sua vez, cedeu a sua, menor, para
a filha Ágata, que acabou de se
casar.
E Helena mora com Paula, pois a alegria da vida dela é a neta Manoela.
A vida da família pode não ser um mar de rosas (e de quem é?), mas há uma serenidade que permeia o humor de todos eles, que é extremamente reconfortante.
Sem dúvida, mais um legado da matriarca, o que me leva a querer colocar, como propósito, estabelecer e deixar um legado – bora tentar?