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Carnaval 2020

Carnaval 2020

Colunista

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E o samba se fechou

| 22/01/2020, 22:37 h | Atualizado em 06/02/2020, 16:12

Por Rafael Guzzo

As escolas de samba do Rio de Janeiro se fecharam de vez. Em seus sambas de enredo para este ano, assumiram uma postura que deixa em segundo plano a alegria e a inocência da folia para priorizar a dura realidade da vida nas comunidades, do povo pobre, de personalidades das favelas.

Desde a década de 1930, o carnaval das escolas de samba cariocas é financiado com dinheiro público, numa iniciativa que surgiu para transformar o turismo e fazer do Rio uma potência internacional no setor. E, pela primeira vez desde então, as agremiações da capital carioca têm de se virar sem esse dinheiro.

Talvez por isso o ufanismo tão presente em outros carnavais tenha dado lugar à ênfase maior à cultura afro-brasileira. O tom agora é, quase sempre, duro, ácido, mesmo nos temas mais amenos.

E o resultado é um dos melhores álbuns de sambas de enredo de todos os tempos, ainda que o formato do disco esteja tão em baixa. Fica a boa experiência de ouvir tudo nos “streamings” da vida.

Nas letras das canções, sobrou para os políticos — sejam eles de direita, sejam de esquerda ou sejam de centro —, os maus religiosos e os ataques criminosos à fé alheia, entre outras citações a mazelas da sociedade.

- Mangueira, Grande Rio, Mocidade, Portela, Paraíso do Tuiuti e Unidos da Tijuca trazem as maiores obras-primas da folia deste ano.

- São Clemente, Beija-Flor e Viradouro também fazem bonito.

- Salgueiro, União da Ilha, Vila Isabel e Estácio de Sá, com canções irregulares, batem na trave.
 

Imagem ilustrativa da imagem E o samba se fechou
|  Foto: Liesa

Mangueira

A verde e rosa é quem mais impressiona. Tendo como enredo a volta de Jesus Cristo à Terra como morador de uma comunidade pobre, o hino mangueirense usa linguagem contemporânea em uma poesia que questiona à sociedade que tratamento ela daria ao Filho de Deus em nosso mundo atual. E relata seu destino: ter de novo o corpo cravejado.

Logo no refrão, a letra indica o tamanho da discussão que o desfile deve criar, com um novo Messias avisando, em primeira pessoa: “Mangueira, vão te inventar mil pecados, mas eu estou do seu lado, e do lado do samba também”.

Tristeza demais para a folia? É algo a se descobrir na avenida. Em 2019, a escola venceu também com enredo sensível e polêmico. Aliás, em 2018, a campeã Beija-Flor comparou o Brasil a um monstro e simulou até homicídios na avenida. Novos tempos.

Imagem ilustrativa da imagem E o samba se fechou
Juliana Paes no desfile da Grande Rio de 2019. |  Foto: Liesa

Grande Rio

Queridinha dos globais, a escola caxiense mudou drasticamente o tom e foi quem mais surpreendeu. A agremiação, que nos últimos anos já versou sobre as maravilhas de Santos e transformou Ivete Sangalo em estrela na Sapucaí, neste ano resolveu colocar o dedo na ferida ao falar sobre tolerância religiosa.

Com o enredo “Tata Londirá, o canto do caboclo no quilombo de Caxias”, o sambão nota 10 da Grande Rio tem jeitão de ponto de umbanda, e inicia seu refrão clamando “Salve o Candomblé!”, para fechar com chave de ouro: “Eu respeito seu amém, você respeita meu axé”.

Imagem ilustrativa da imagem E o samba se fechou
Elza no desfile da Mocidade |  Foto: Liesa

Mocidade Independente

A Verde e Branco da Zona Oeste do Rio traz provavelmente o samba mais empolgante de 2020. Numa letra emocionante e uma pegada que remete de algum modo ao punch do rock n’roll, a escola homenageia Elza Soares, criada na Vila Vintém, favela próxima a Padre Miguel, berço da agremiação.

A canção faz ode à cantora, que passou fome, foi vítima de violência masculina em relacionamentos amorosos e, dona de uma das maiores vozes brasileiras de todos os tempos, recebeu reconhecimento internacional, tendo sido uma das intérpretes da própria Mocidade, décadas atrás.

De melodia contagiante e refrão fácil, o hino, que tem Sandra de Sá entre os autores, clama, com viés político, por um Brasil que lute contra as desigualdades sociais: “Que os filhos do Planeta Fome não percam a esperança em seu cantar”.

A bateria é um show à parte e promete levar nota 10 se conseguir repetir a performance ao vivo.

Imagem ilustrativa da imagem E o samba se fechou
Comissão de frente da Portela em 2019 |  Foto: Liesa

Portela

A maior vencedora do carnaval carioca traz como enredo “Guajupiá, terra sem males”, contando a história dos índigenas que habitavam o Rio de Janeiro antes da chegada dos portugueses. O samba tem o jeitão das canções do Festival de Parintins, muito bem interpretado por Gilsinho, um dos melhores cantores da folia do Rio hoje em dia.

O refrão forte e as boas estrofes prometem levantar o astral, trazendo letra com tom crítico, culminando nos versos que remetem, de algum modo, à política/sociedade brasileira contemporânea: “Nossa aldeia é sem partido ou facção/Não tem bispo, nem se curva a capitão/ Quando a vida nos ensina, não devemos mais errar”.

Paraíso do Tuiuti

Em homenagem a São Sebastião, padroeiro do Rio de Janeiro, a Tuiuti de novo apresenta uma canção indefectível. Desde 2018, ano em que foi vice-campeã, a escola premia os ouvidos com belíssimos sambas. Para este ano, um clima retrô toma conta da composição.

Com uma cadência que mais lembra as décadas de 1960 ou 1970, a melodia emociona e empolga. Assim como suas coirmãs, a Tuiuti não deixa de alfinetar, chamando o Rio de “a cidade das mazelas” que “pede ao santo proteção”.

Unidos da Tijuca

Mais uma vez a tijucana aposta num acorde em tom menor, desta vez, com participação de nomes como Dudu Nobre e Jorge Aragão entre os autores.

Mas, diferente de 2019, quando melodia e letra remetiam a um hino cristão, desta vez o discurso é ácido. “Eu sou favela” e “dignidade não é luxo, nem valor”, diz o excelente refrão, logo no início da música.

O enredo “Onde Moram os Sonhos” fala sobre as belezas naturais e a arquitetura do Rio, mas usa como base para a observação a vista do Morro do Borel e brada que “o Rio pede socorro” e que “é terra que o homem maltrata”.

Com o carnavalesco Paulo Barros de volta e uma excelente canção, a Tijuca deve vir forte na disputa pelo título.

Imagem ilustrativa da imagem E o samba se fechou
Adnet puxando samba no ensaio técnico da São Clemente |  Foto: Flora Viguini

São Clemente

A escola da Zona Sul do Rio apresenta mais um enredo bem-humorado, sobre “O Conto do Vigário”. Com refrão robusto e letra divertida, tendo como um de seus autores o intrépido humorista Marcelo Adnet (que anda se atrevendo até em fazer parte do carro de som da escola), o samba brinca que “tem marajá puxando férias em Bangu”.

Se não poupa os ex-governantes do Rio e do Brasil, também não deixa de lado a zoação com as atuais autoridades. “Tem laranja, na minha mão, uma é três e três é 10”. E encerra lembrando as mentiras pelo WhatsApp, em um Brasil que “compartilhou, viralizou, nem viu, e o País inteiro assim sambou, caiu na fake news”.

Imagem ilustrativa da imagem E o samba se fechou
Desfile da Beija-Flor em 2018 retratou o Brasil como um monstro. |  Foto: Liesa

Beija-Flor

O enredo “Se essa rua fosse Minha”, sobre as estradas e caminhos por onde a humanidade passou até chegar à Marquês de Sapucaí, culminou em um samba de melodia fácil e bela, sobretudo nas estrofes, e um bom refrão, baseado em temas afro.

A maior vencedora do Carnaval desde que o desfile foi para o sambódromo, mais uma vez, apresenta uma bela canção.

Viradouro

Com um refrão que lembra canção de Cartola, a escola de Niterói homenageia as Ganhadeiras de Itapuã, grupo musical que surgiu dos cantos, danças e crenças das lavadeiras do litoral da Bahia. A melodia é empolgante e pode ganhar a massa durante o desfile.

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Salgueiro em 2018: luta contra o racismo no enredo para este ano. |  Foto: Liesa

Salgueiro

Sobre o primeiro palhaço negro brasileiro, o samba salgueirense tem um clima alto-astral, reforçado pela interpretação bem-humorada de Emerson Dias e Quinho. Mas a letra também tem seus momentos ácidos, com um discurso contra o racismo: “A luta me fez majestade/Na pele, o tom da coragem/Pro que está por vir…/Sorrir é resistir!”

Mas em 2020 a Academia do Samba peca por uma melodia que não foge do lugar comum. A letra, embora correta, também não chega a emocionar. Uma canção ok. Fica só nisso.

Vila Isabel

O refrão da Vila é bonitinho, a letra em homenagem a Brasília é até razoável, mas chamar o ex-presidente JK de “cacique” é algo que beira o non sense.

União da Ilha

O cantor Ito Melodia dá um show, mais uma vez, dando voz ao samba da Insulana. Mas a letra da música não dá o recado do enredo, “Nas encruzilhadas da vida, entre becos, ruas e vielas, a sorte está lançada: Salve-se quem puder!”.
A escola preferiu não antecipar uma sinopse, para dar asas à imaginação dos compositores. Mas a impressão é de que os devaneios dos músicos fluíram além do limite.

Estácio de Sá

Com o enredo “Pedra”, a “primeira escola de samba do Brasil” apresenta um samba com alguns bons momentos, mas que não chega a empolgar.
 

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