Segurança digital: especialistas preocupados com uso da biometria
Eles veem banalização do uso da face, voz e digitais, e alertam para falta de segurança e risco de vazamentos
A utilização de sistemas de reconhecimento facial, voz ou digital já se tornou algo comum em empresas no País: está em condomínios, bancos e até em estádios de futebol. Porém, especialistas alertam que essa “banalização” é perigosa para a população.
Levantamento da NordVPN mostrou que 82% dos brasileiros já usam algum tipo de tecnologia biométrica e, segundo a Juniper Research, a previsão é que, até o fim do ano que vem, 57% de todas as transações digitais globais sejam validadas por esses métodos.
“A biometria é o novo nome e CPF”, exemplifica Fabro Steibel, diretor executivo do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS). Segundo ele, o reconhecimento facial torna o acesso mais barato e fácil a uma série de serviços e direitos, o que explica a velocidade de adoção por várias empresas no País.
A comodidade foi o principal fator para a rápida popularização da biometria, segundo o professor do Departamento de Informática da Ufes Vítor Souza. No entanto, na visão dele, isso acabou criando uma falsa sensação de segurança.
Ele avalia, contudo, que o uso indiscriminado desses dados pode resultar em vazamentos, fraudes, violações de privacidade, manipulação de dados por IA e até rastreamento sem consentimento.
“As pessoas estão deixando seus dados em qualquer lugar, sem muito critério e sem pensar em como esses dados estão sendo armazenados”, afirma o professor, que salienta que o vazamento de um dado biométrico é muito mais grave, já que não é possível mudar uma impressão digital ou rosto, ao contrário de uma senha escrita.
Segundo a advogada Suélen Schwertner, as pessoas têm sido compelidas a entregar um dado pessoal precioso em troca de bens e serviços que muitas vezes não precisariam desse nível de segurança, com uma séria violação aos limites da finalidade do tratamento.
O especialista em Tecnologia da Informação Eduardo Pinheiro avisa que ninguém é obrigado a cadastrar biometria para acessar locais.
“É possível solicitar a Política de Privacidade da organização e pedir o contato do encarregado de dados, função obrigatória pela LGPD, para questioná-lo quais procedimentos serão adotados em caso de vazamento, e questionar sobre o tempo de armazenamento da sua biometria no sistema”.
Reconhecimento facial opcional
A Comissão de Comunicação da Câmara aprovou um projeto de lei que garante ao cidadão a escolha de identificação por outro meio que não seja a biometria facial, exceto nos casos obrigatórios por lei.
Pela proposta, a negativa de acesso à biometria facial não poderá ser motivo de recusa do acesso a serviços em ambientes físicos ou digitais, podendo o cidadão se identificar por outros meios. O texto determina ainda que as plataformas digitais apresentem de forma explícita e visível a possibilidade de uso de outros dados biométricos.
O projeto, do deputado Fabio Schiochet (União-SC), foi aprovado por recomendação do relator, deputado Marangoni (União-SP), que observou que a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais veda a imposição de fornecimento de dados sensíveis para acesso a direitos.
Esses dados, disse ainda, podem ser utilizados para o cometimento de fraudes. “O projeto está bem alicerçado ao garantir que, salvo imposição legal expressa, o uso de biometria facial seja facultativo, com possibilidade de um meio alternativo de identificação”, defendeu.
O projeto ainda será analisado, em caráter conclusivo, pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Para virar lei, a medida precisa ser aprovada pelos deputados e pelos senadores.
Responsabilidade em condomínios
A adoção de portarias digitais tem popularizado o uso do reconhecimento facial em condomínios. Porém, nenhum morador é obrigado a fazer tal reconhecimento facial.
A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) exige que o consentimento para coleta de dados sensíveis — como a imagem facial — seja livre, informado e opcional.
Na prática, no entanto, alguns condomínios não oferecem alternativas. O morador que não quiser fornecer o dado tem o direito de exigir outra forma de acesso, como chave ou cartão. Caso isso não ocorra, ele pode fazer uma denúncia para a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD).
Cuidados
O condomínio deve saber qual empresa está armazenando os dados;
Verificar se há política de proteção de dados;
Ter protocolo de exclusão segura;
Oferecer alternativa ao reconhecimento facial;
Controlar o tempo de armazenamento — o Sindicato dos Condomínios do Estado de São Paulo (Sindicond) orienta o mínimo de 1 ano.
O síndico é o responsável legal por garantir que os dados dos moradores estejam protegidos
Saiba Mais
Promessa de segurança x dados e privacidade
Os sistemas de segurança biométrica, que usam características fisiológicas ou comportamentais exclusivas, ganharam popularidade. De scanners de impressões digitais a reconhecimento facial, tais tecnologias prometem mais segurança e experiências de usuário perfeitas. Mas essa conveniência tem custo.
A coleta e o armazenamento de dados biométricos apresentam riscos de privacidade sem precedentes. Ao contrário das senhas ou PINs, as informações biométricas estão intrinsecamente ligadas ao nosso ser físico, e não podem ser facilmente alteradas se forem comprometidas.
Essa permanência torna os dados biométricos um alvo atraente para os criminosos cibernéticos e levanta preocupações sobre a segurança dos dados a longo prazo.
Além disso, o uso da biometria para fins de vigilância ameaça corroer a privacidade pessoal em grande escala. O espectro do monitoramento constante é grande, lembrando a visão distópica de George Orwell em 1984. À medida que navegamos nesse novo cenário, o equilíbrio entre segurança e privacidade se torna cada vez mais precário.
Grande parte da adoção do reconhecimento facial ocorre com a promessa de aumentar a segurança, o que tende a ganhar importante apoio popular na América Latina, acima da preocupação com dados e privacidade.
A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) trata os dados biométricos como sensíveis, e o vazamento pode acarretar em multas que podem chegar a até R$ 50 milhões.
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