“Uma cidade amiga do idoso é boa para todos”, afirma especialista
Professora de Gerontologia explica que bairros precisam ter estruturas que contribuam para uma velhice saudável
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Cerca de 15% da população que mora no Brasil tem mais de 60 anos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Nos últimos nove anos, o contingente de idosos aumentou 39,8% e a expectativa é que, em sete anos, o Brasil seja a quinta população com o maior número de idosos do mundo.
Essa mudança no perfil da população brasileira requer adaptações para um envelhecimento saudável e assistência, de todas as formas, para uma velhice com autonomia. É o que destaca a pós-doutora em Arquitetura e professora de Gerontologia Maria Luisa Trindade Bestetti.
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Para ela, morar bem não tem relação apenas com situação financeira ou tamanho da casa, é necessário se sentir protegido e responsável pelas próprias decisões. Para isso, é preciso pensar moradias, bairros e cidades que sejam amigas da pessoa idosa, que contribuam para um envelhecimento e uma velhice saudável.
A Tribuna – O que é construir uma cidade pensando no envelhecimento da população?
Maria Luisa Bestetti – Uma cidade amiga da pessoa idosa é boa para todos, pois acomoda padrões, serviços e condições para que haja participação na comunidade. Ouvir moradores mais velhos possibilita aprender com suas vivências.
O que significa morar bem?
Morar bem impacta positivamente na saúde, pois possibilita não somente evitar a doença, mas manter o equilíbrio emocional por meio dos encontros, da privacidade, do conforto e da segurança.
Morar bem é se sentir protegido, pertencente ao lugar e responsável pelas próprias decisões.
Então, morar bem não tem relação com o local ou condição financeira?
Tem, mas também tem relação com a cultura do morador, assim como seus desejos e necessidades.
O que digo é que cada pessoa torna seu espaço de vida o mais aconchegante possível, mas muitas vezes a condição financeira torna a vida menos digna.
Como isso pode ser feito em um país com desigualdades?
Qualquer moradia que ofereça essas características é boa, não importando seu tamanho ou complexidade. O território privativo que oferece conforto representa a boa moradia e as desigualdades sociais certamente impactam na qualidade de vida do morador.
O que precisamos mudar em nossas cidades para ter um futuro melhor para o idoso?
É preciso ampliar o atendimento domiciliar para que o suporte comunitário possibilite a permanência na própria casa por mais tempo, mudando para moradias institucionais quando houver mais necessidade de atenção.
O conceito de Aging in Place (envelhecer em casa) torna as condições de moradia de pessoas idosas mais adequadas, garantindo o pertencimento e a autonomia.
Vale a pena investir em condomínio de idosos?
Se envelhecemos de modo diferente, será importante sermos capazes de decidir como queremos morar, de acordo com a necessidade de assistência para cada caso.
Quais modos de morar na velhice você tem pesquisando?
Podemos citar as residências assistidas, onde estarão pessoas idosas com autonomia e independência, mas que podem necessitar de algum apoio que estará disponível. Os condomínios são como todos, só consideram atividades adequadas para os mais velhos e a presença de um serviço de atenção à saúde, trazendo tranquilidade ao morador.
Há também o cohousing, comunidades intencionais onde o grupo é colaborativo e divide tarefas de manutenção e gerenciamento. E o coliving, imóveis onde os espaços comuns são compartilhados e funcionam como as “repúblicas”.
A tecnologia pode ser aliada da pessoa idosa? De que forma?
Certamente, desde as tecnologias assistivas (que promovem assistência a pessoas com deficiência) pela IoT (internet das coisas) até os sistemas de comunicação mais eficientes, utilizando aplicativos de vídeo e assistentes de voz.
Muito se fala sobre a maior assertividade usando o ChatGPT, mas outros buscadores já oferecem respostas que facilitam o atendimento por telemedicina e outros serviços remotos.
Este ano, vimos episódios de preconceito. Como isso se manifesta na sua área de estudos?
Acreditar que pessoas idosas se tornam inúteis é um preconceito que já não se justifica, pois o aumento da longevidade comprova que maior tempo de vida ativa possibilita maiores experiências.
Qual alerta que pode deixar sobre o nosso envelhecimento quanto sociedade?
Manter hábitos saudáveis torna o envelhecimento mais ativo, sendo a convivência social o ingrediente mais importante para a saúde. Ao morar com dignidade e conforto, é possível que pessoas de todas as idades sejam solidárias e componham comunidades saudáveis.
PERFIL - Maria Luisa Trindade
> Graduação, mestrado e doutorado em Arquitetura e Urbanismo.
> Pós-doutorado pela Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa, em Portugal.
> membro colaborador do CIAUD - Centro de Investigação em Arquitetura, Urbanismo e Design.
: Atualmente é professora doutora no curso de Bacharelado em Gerontologia e no Programa de Pós-Graduação em Gerontologia - PPGer, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo.
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