Sufoco e diversão na rotina de mulheres caminhoneiras do ES
Elas contam que o lado ruim da profissão são os acidentes e o assédio, mas poder conhecer outras culturas é a parte boa
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Por muito tempo como uma atividade exclusivamente masculina, a função de dirigir caminhões vem sendo cada vez mais exercida por mulheres.
De acordo com a Confederação Nacional do Trânsito (CNT), hoje são mais de 180 mil caminhoneiras no Brasil, que atravessam as rodovias em uma rotina de sufoco e diversão.
Moradora de Alfredo Chaves, Fernanda Paganini, de 35 anos, é caminhoneira há 12 e conta que quis seguir na profissão por causa de seu pai. “Meu pai era caminhoneiro e eu sempre quis seguir sua profissão. Era um sonho de infância que hoje sustenta minha família. Amo o que faço”.
Mas, segundo ela, apesar de gostar muito o que faz, sua rotina de trabalho envolve momentos felizes e tensos. “É uma profissão que te faz conhecer lugares turísticos e pessoas de outras culturas, e isso é legal. Mas a parte ruim é que, às vezes, vemos colegas de trabalho partindo dessa vida após acidentes nas pistas. Isso é muito triste”.
Letícia Reis, 33 anos, é mãe de três filhos e moradora de Cachoeiro de Itapemirim. Caminhoneira há quatro anos, ela contou que quase perdeu a vida após seu caminhão tombar na Avenida Brasil, no Rio de Janeiro, em fevereiro.
“O desnível da pista puxou o caminhão e eu tombei. Foi um sufoco, tive que passar a noite num lugar perigoso. Fora a misoginia e o assédio, né?”.
Mesmo nas dificuldades, Letícia conta que sua profissão lhe traz momentos de alegria e diversão. “Era um sonho ser caminhoneira. É um profissão que proporciona conhecer lugares lindos, pessoas incríveis. Na pandemia tive que parar porque minha mãe ficou acamada, mas retornei. Amo trabalhar nas estradas”.
Desde pequena, Gláucia Roveda, 33 anos, tinha o desejo de se tornar caminhoneira. Criada no interior do Rio Grande do Sul, aprendeu a dirigir trator e caminhão muito cedo para ajudar a família, daí veio a ideia de trabalhar com transporte de cargas.
Foi com coragem e determinação que ela seguiu em frente e hoje é uma das caminhoneiras que conquistaram lugar nesse mercado predominantemente masculino.
Conhecimento para poder superar os desafios
Apesar da determinação em ser caminhoneira, Gláucia Roveda ressalta que caminhoneiras ainda são vítimas de discriminação nas rodovias. Para ela, antes de sair pelas pistas, as mulheres devem buscar conhecimento para superar os desafios.
“No caso do transporte de carga, a busca por conhecimento deve ser redobrada, pois um caminhão apresenta suas complexidades em relação a outros automóveis”.
Gláucia reforça que ainda existe preconceito, mas garante que nem tudo na sua rotina são obstáculos. Ela disse que encontrou apoio e admiração de colegas de trabalho, pessoas que lhe dão suporte, incentivo e a elogiam por sua coragem de pegar a estrada e desbravar por esse mundo que ainda vê com estranhamento a presença de mulheres.
Glaúcia relevou que se inspirou na história de vida de Neiva Chaves Zelaya, a primeira caminhoneira do Brasil. “Ela nasceu em 30 de outubro de 1925, em Propriá, Sergipe, e é comprovadamente a primeira mulher a transportar cargas em um caminhão no Brasil”.
Neiva se casou aos 18 anos com Raul Alonso e teve quatro filhos: Gilberto, Carmem Lúcia, Raul Oscar e Vera Lúcia.
“Eu tinha três filhos para criar”
Letícia Reis conta que se interessou pela profissão, tirou habilitação, mas só começou a ser caminhoneira após ser abandonada pelo ex-companheiro com os filhos pequenos.
“Eu tinha três filhos para criar quando ele me deixou. Entrei em desespero porque não sabia de onde tirar o nosso sustento. Quando comecei a dirigir, meus filhos tinham dois, oito e 12 anos”.
Ela disse ainda que a afinidade com a estrada se intensificou com o atual marido, que também é caminhoneiro e com quem viajou por quase um ano e aprendeu tudo o que sabe sobre o transporte de carga pesada.
Após esse período, se profissionalizou e passou a tirar o sustento da estrada. A motorista relata que, até dirigir sozinha, viajou com amigos que estavam com a carteira suspensa ou vencida.
Vaidosa, carrega o estojo de maquiagem, mas nos dias mais corridos usa apenas batom. Já tem postos escolhidos em que se sente segura para tomar banho. Ela conta que encontra poucas caminhoneiras, geralmente em caminhões-baú. “Não é comum mulheres transportarem chapas de granito. As pessoas acham que uma mulher não é capaz de fazer esse transporte”.
Uma coisa em especial a incomoda na vida no caminhão: o preconceito em relação à capacidade da mulher. “Tenho sempre que trabalhar mais para provar que sou competente”.
CURIOSIDADES
São 180 mil mulheres nas estradas
- Hoje, já existem mais de 180 mil mulheres dirigindo caminhões pelas estradas brasileiras, segundo dados do Serviço Social do Transporte (SEST) publicados pela Agência Brasil.
- Porém, o número de caminhoneiras ainda representa 0,5% do total de caminhoneiros homens no País, conforme estimativa da Confederação Nacional do Transporte (CNT), mas já é considerado pelo órgão um grande avanço em uma profissão antes exclusivamente masculina.
- Uma pesquisa do Instituto Renault mostrou que as mulheres são mais cautelosas ao volante e reduzem o risco de acidentes na profissão.
- Segundo o levantamento, em 2022 70% das infrações de trânsito foram causadas por homens.
- Além disso, o levantamento mostrou que 65% dos homens avançam no sinal amarelo. No universo das mulheres, apenas 15% fazem isso.
- Outro dado importante que levou às estatísticas finais é que 71% dos acidentes de trânsito são causados por eles, e apenas 29% por elas.
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