Uma vila do ES que fala dois idiomas
Em São Bento de Urânia, Alfredo Chaves, uma população com pouco mais de 2 mil moradores fala português e vêneto
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A 40 quilômetros da sede de Alfredo Chaves, na vila de São Bento de Urânia, uma população com pouco mais de 2 mil moradores fala dois idiomas: o português e o dialeto vêneto, que veio dos italianos. É um dos últimos locais do Estado onde se fala duas línguas.
Aliás, os primeiros moradores do distrito, que foram os italianos, se comunicavam apenas em vêneto. Os portugueses só chegaram ao local 40 anos depois, o que fez com que os italianos mantivessem por quatro décadas traços culturais e linguísticos da Itália.
Em 1920, o então presidente da República Getúlio Vargas proibiu o uso de qualquer outro idioma que não fosse o português em território brasileiro.
Os imigrantes estavam proibidos de falar sua língua-mãe e, de acordo com a professora de Língua Portuguesa e pesquisadora Katiúscia Sartori Cominotti, o português começou a crescer.
“Dessa forma, pais e avós deixaram de falar italiano com filhos e netos. Isso também aconteceu em São Bento de Urânia, onde os mais velhos só falavam entre si. Eles deixaram de replicar a língua aos mais novos com medo de serem perseguidos pelo governo”.
Mas ainda há muitos descendentes de italianos na cidade que preservam as duas línguas. Na casa do produtor rural Paulo Cibin, 65, a esposa Judith Gava Cibin, 67, e o filho, o engenheiro Eduark Gava Cibin, 31, conversam em dois idiomas.
“Meus avós chegaram da Itália e crescemos ouvimos o dialeto. Meus avós só conversavam em italiano. Meus pais também falavam muito. Com o passar do tempo, misturamos muito com o português, mas até hoje falamos o vêneto”, disse Paulo.
O vêneto é uma língua românica falada por cerca de 5 milhões de pessoas, principalmente na região do Vêneto, na Itália.
“São Bento de Urânia é a região com maior presença do dialeto exclusivo da região do Vêneto no Espírito Santo. Os mais velhos ainda falavam entre si, mas por não terem replicado a língua aos mais novos, eles apenas conhecem o dialeto, mas não falam”, explicou.
“A cultura italiana ainda é muito presente no distrito. Os moradores têm costume de falar alto, são muito religiosos e muitos se casam entre eles. Também recebem muito bem os visitantes”, diz Katiúscia Sartori.
“Só falava italiano até os 13 anos”
Vivendo em uma casa de estuque que construiu com as próprias mãos há mais de 50 anos, o produtor rural Sante Lorenzon, de 88 anos, é de uma geração que nasceu falando somente vêneto.
Aliás, ele foi obrigado a falar português por causa da escola, quando começou a estudar, aos 13 anos.
“Só falava italiano até os 13 anos. Mas tive que começar a estudar, a professora falava português, então não podia falar vêneto. Foi quando comecei a aprender o português. Mas até hoje falo o vêneto. Tem uma turma ainda, que é da minha época, que só se comunica em vêneto”, disse ele.
Seu Sante tem uma certidão com todas as informações dos avós dele, de quanto chegaram da cidade de Vêneto, em 1888.
“Meus avós vieram de Vêneto mesmo. Meu avô tinha 12 anos. Temos até o registro com o nome do navio que eles vieram, que foi o Ádria. Embarcaram dia 5 de dezembro no porto de Gênova e chegaram em Vitória no dia 27 de dezembro”, disse.
“Eles chegaram aqui e era tudo mato. Nossa família trabalhou em Castelo, na lavoura de café. Ninguém falava português”.
Quando mais jovem, Sante foi à Itália, de onde os avós vieram, e descobriu que há muita diferença na língua deles.
Dialeto ameaçado, diz professora
A professora de Língua Portuguesa e pesquisadora Katiúscia Sartori Cominotti, de 46 anos, que estudou durante 10 anos sobre a língua vêneto, diz que o dialeto pode morrer com as próximas gerações.
É que durante os trabalhos de mestrado e doutorado na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), a pesquisadora percebeu que a comunicação está cada vez menor, porque não há estímulo para continuar.
“Fizemos essa pesquisa para provar e mostrar a importância de preservar essa língua da região do Vêneto porque, com o tempo, isso vem se perdendo”, disse ela.
Por viverem isolados por anos em São Bento de Urânia, o dialeto se manteve até hoje no distrito, mas vem se perdendo com o tempo.
A grande causa da mudança da linguagem, segundo a pesquisa, é o bullying sofrido nas escolas.
“Eles falavam o dialeto durante suas conversas e as pessoas achavam estranho. Inibidos, os moradores mais jovens foram deixando de usar. Muitos conhecem, mas não falam. Na pesquisa, os entrevistados apontaram a escola como principal causador do não uso do dialeto”, conta a professora.
Para o desenvolvimento dos trabalhos, apresentados em 2013 e 2021, Katiúscia contou que foram entrevistadas 220 pessoas da região, entre quatro e 50 anos ou mais de idade.
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