Edson “Papo furado”: “Quando a gente tocava samba, a polícia levava”
Histórico sambista capixaba, Edson “Papo Furado”, de 84 anos, relembra os anos em que a música era criminalizada
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“Desde cedo, eu respiro samba. Quando ouço o som do pandeiro, do tamborim, me sinto vivo. Indiscutivelmente, o samba é um tesouro brasileiro - e o Espírito Santo, sem dúvidas, foi um dos epicentros da cena sambista nacional. Hoje, vemos a consagração das vozes do samba, mas nem sempre tivemos essa valorização.
Acordar, aos 7 anos, e cantar ‘Madalena, Madalena, você é meu bem querer. Eu vou falar para todo mundo que eu só quero é você’, à beira de uma correnteza que cercava minha casa de infância, na Serra, é a minha primeira memória de vida. O destino já indicava que eu seguiria na música por toda a vida.
Passado
Em meio a um passado de preconceito infundado, o samba era criminalizado. Nós, artistas, éramos chamados de palavras horrorosas. Já fui preso quatro vezes na mesma noite por cantar samba. Quando a gente tocava samba, a polícia nos levava. Era uma verdadeira repressão ao samba.
Quando fundamos a Unidos da Piedade, em 1955, unimos pessoas da Fonte Grande, do Moscoso e da Piedade - e confesso que, à época, tínhamos dúvidas sobre o nome da escola por conta disso. Não imaginávamos que, naquele momento, estaríamos construindo a história do samba capixaba.
Com o tempo, ganhamos respeito e nossa cultura conquistou espaço. Hoje, eu vejo como o povo negro está sendo mais valorizado. Há tantas e tantos negros elegantíssimos.
Racismo
Na minha infância, vivi uma experiência que me dá nó na garganta até hoje. As crianças deveriam ir vestidas de anjo para a missa. Eu fui, mas ouvi do padre que ‘não existe anjo negro’. Minha mãe, quando soube, confrontou o padre para me defender.
Na minha vida, esse termo tomou um outro sentido. Há até um documentário em minha homenagem, chamado ‘Anjo Preto’. Não existe nenhuma diferença entre brancos e negros. Não podemos tolerar o racismo. Nós, da velha guarda do samba capixaba, contribuímos muito para a nossa cultura.
Sabe, eu sou da época em que intérprete era ‘puxador’. Você fica à frente da escola de samba e é a sua voz que dá energia, ritmo e embala todos durante o desfile. Fui o primeiro puxador de samba em Vitória.
Templo do samba
O Sambão do Povo é o nosso verdadeiro templo e tesouro. Nosso carnaval é belíssimo e não deixa nada a desejar a outras capitais. A única diferença entre nós e elas é o dinheiro para a fazer a festa. Eu me lembro da construção do Sambão até hoje.
Era emocionante pensar que teríamos o lugar para celebrar o nosso carnaval. Eu dei as primeiras ‘enxadadas’ para construir o Sambão do Povo. Era um projeto de todos nós, que lutamos muito para construir. O sucesso do Carnaval de Vitória foi construído com muita resistência.
Novos sambistas
Temos uma nova geração de sambistas capixabas de dar orgulho. Os moleques são bons pra caramba e irão continuar escrevendo as páginas da história do nosso samba. Essa renovação da cena cultural é muito positiva.
Quando estamos nas rodas de samba, vejo mães e pais que reprimem as crianças de mexerem nos instrumentos por medo dos pequenos quebrá-los. Por favor, não tirem o pão da boca de criança, não. Deixa a criança aprender! Toda vez que percebo isso, converso delicadamente com os pais e peço para deixarem elas à vontade.
As rodas de samba são os espaços de festa da garotada. Quando acontecem no centro de Vitória, então, a inspiração é certa. É o melhor lugar que existe, é fonte de inspiração para qualquer sambista. Aqui, a vida é diferente e construímos uma verdadeira família.
PERFIL
> Aos 84 anos, Edson Rodrigues Nascimento, conhecido carinhosamente como Edson “Papo Furado”, é um dos maiores nomes do samba capixaba. Foi primeiro intérprete e um dos fundadores da primeira escola de samba do Estado, a Unidos da Piedade.
> Já gravou nove álbuns e se apresentou em capitais como Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador, além do exterior, em Portugal.
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