“A humanidade não aprende com as guerras”, por Nerina Bortoluzzi Herzog
Autora ítalo-brasileira conta histórias de sua vida durante a Segunda Guerra Mundial, na Itália, e sua chegada ao Brasil
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“Aos 87 anos, posso dizer que minha caminhada é longa e que presenciei muitas histórias. Vivi a Segunda Guerra Mundial e lembro-me de tudo. Estávamos na Itália, minha família e eu, e morávamos bem nas montanhas do norte, em Alpago, na comuna de Belluno.
A memória é um patrimônio indiscutível e, olhando o que estamos vivendo na Ucrânia hoje, acredito que a humanidade não aprende com as guerras.
Meu pai, por ser casado e ter filho, não foi para o front da guerra. Ele trabalhou na construção de pontes para preparar o caminho para as tropas de soldados passarem e até chegou a ficar preso na Albânia.
Depois que ele conseguiu fugir – graças a Deus, ele sobreviveu –, viemos para o Brasil, em 1949. Eu tinha apenas 13 anos e, mesmo nova, já havia perdido muitos de minha família.
São lembranças muito tristes e desagradáveis que não se apagam, mas acredito que devemos olhar a vida de outra maneira. Não de aceitar e ser vítima das circunstâncias, mas de, com fé, acreditar que vamos vencer. Assim, tudo se torna menos pesado.
Pós-guerra
Logo depois da Segunda Guerra, o mundo se encheu de alegria e de esperança. Não estávamos mais dentro daquela situação de medo, de morte, de perseguição e de fome. Era o momento de recomeçar nossas famílias.
Fizemos uma nova vida no Brasil. Hoje, eu sou ítalo-brasileira, ítalo-capixaba. Aqui, por exemplo, eu cheguei ao ensino superior e frequentei o curso de Letras na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Sou, desde 1981, intérprete de italiano no serviço público.
Aqui no Estado, encontramos pessoas lindas, de muitas descendências e histórias. Construímos raízes aqui, fomos acolhidos e, hoje, posso compartilhar o amor com meus filhos e meus netos.
Nos meus livros, compartilho todas essas histórias e materializo as memórias. Muitas vezes, somos inspiração para outras pessoas. Assim como conto essas memórias para os meus netos, espero dar ânimo e alegria para o próximo.
Pandemia
Se nós não tivermos fé e esperança, não teremos vida. Recentemente, vivemos a pandemia, e essa foi a pior guerra, mas não podemos focar apenas no lado difícil da vida.
Sempre soube que eu tinha uma missão a fazer. Mesmo após enfrentar tudo isso, voltei a cantar, a fazer minhas pinturas das memórias dos campos verdes na Itália e a tomar conta da casa.
Vejo os jovens com muitas questões, mas faz parte da vida nos questionarmos muito. Temos de seguir em frente, pois, se pararmos, acabou.
Tive a oportunidade, longos anos depois, de revisitar a região em que morei na Itália. Levei minha filha e meus netos. Senti muita saudade e pude refletir sobre a minha jornada de vida.
Livro
Nas primeiras páginas do meu próximo livro, “O Valor da Memória”, que lançarei no dia 31 de agosto, escrevi um poema que compartilha algumas reflexões.
'Caminhei na neve, ouvi o silêncio. Andei sobre as pedras e escutei o vento. Naveguei pelos mares e vi o firmamento. Pisei na terra e firmei meus passos. Como foi longa essa caminhada!'”.
*Depoimento dado a Jonathas Gomes.
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