O que é microtraição e quando ela vira traição de verdade?
Curtir fotos, retribuir um flerte ou conversar com ex escondido nas redes sociais. Especialistas falam sobre o tema
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No passado, para dar uma “pulada de cerca” era preciso inventar uma hora extra, reunião ou viagem a trabalho. Atualmente, o conceito está mudando. A “pulada” agora, com a internet, pode ser feita apenas com um clique, como curtir fotos nas redes sociais ou retribuir um flerte.
Só que há quem considere que uma curtida ou conversa mais íntima não possa ser considerada uma traição. Mas uma “microtraição”, afinal, o ato não se consumou.
Mas será que é possível ser um pouco infiel? A Tribuna ouviu especialistas para esclarecerem esse tema que nos últimos tempos tem invadido a internet.
Para o psicólogo Patric Barbosa, não é possível ser um pouco infiel. “A infidelidade é um ato que não é medido pela intensidade, e sim pela intenção”, ressalta.
Para o psicólogo, se há uma intenção de desejo, não é mais um preparo, mas sim uma traição direta.
“O preparo pode ser considerado naquela conversa despretensiosa que evolui para um bate-papo mais malicioso. Gerando confiança em quem pratica, podendo levar ao ato de traição presencial e não mais virtual”.
O psicólogo destaca que a traição se inicia com a traição da confiança, antes mesmo de encontros às escondidas.
“O simples fato de não se preocupar com a pessoa que está ao lado na vida já podemos falar que existe uma traição”, ressalta Patric.
Na avaliação da psicóloga especialista em terapia familiar Naira Caroline, a traição é entendida como a quebra de confiança num relacionamento quando uma das partes age de maneira desleal ou infiel.
“Microtraições são ações que, mesmo não sendo consideradas uma traição aberta ou explícita, ainda assim comprometem a confiança de um relacionamento”, diz Naira.
Para Arinna Vital, psicóloga clínica e terapeuta de casais, a microtraicão “seria a porta de entrada, muitas vezes sutil, de atitudes ou comportamentos para haver a quebra de confiança no relacionamento”.
“Quando essas microtraições vão se repetindo ou se expandindo em mais de um aspecto no relacionamento, já é traição, sim. Como omitir onde estava e mudar constantemente a senha do celular”, explica a psicóloga.
Ainda segundo Arinna, os valores e princípios morais são que vão determinar como cada um vai proceder no contato com o outro.
Falta de diálogo e os flertes virtuais
Será que todo relacionamento corre o risco de ser abalado com os flertes virtuais?
Segundo a psicóloga especialista em terapia familiar Naira Caroline, as microtraições ocorrem mais em relacionamentos com comunicação deficiente e falta de confiança, especialmente em períodos de crises e mudanças pessoais.
“A internet e as redes sociais facilitam essas interações, normalizando comportamentos que seriam menos comuns presencialmente. Sem dúvida, a cultura da internet banaliza esses contatos, mas isso não quer dizer que não possa ser visto como traição. É fundamental que os casais conversem sobre suas expectativas e limites para preservar a confiança e o respeito mútuo”.
Mas, no caso em que a pessoa é constantemente desrespeitada, Naira aconselha ser importante que ela mesma pratique o “autorrespeito e não permita passar por isso mais”.
“A relação tóxica vem, justamente, de ações abusivas, mas a pessoa não consegue sair da relação. É importante buscar ajuda, permitir isso fala mais de si do que de quem trai”.
Segundo o psicólogo Patric Barbosa, com a internet, as pessoas estão mais “corajosas” para trair. “Não apenas coragem, mas muito mais ousadas na exposição e nas abordagens”.
Para evitar esses comportamentos na internet, Naira aconselha que os casais tenham diálogo aberto, onde possa ser conversado sobre as expectativas na relação, estabelecimento de limites – o que cada um considera aceitável ou não –, além de investirem na intimidade e sexualidade.
Especialistas analisam hábitos
1) Comentar as fotos em forma de flertes
Você costuma comentar nas fotos de um colega de trabalho. Os comentários são sutis, como “olha só quem está arrasando de novo” ou “esse sorriso aí deixa o dia mais bonito”. Um flerte é traição?
"É um tipo de traição, que, no início, pode ter a característica de microtraição, algo mais inofensivo, mas que se não for bem administrado pode levar a traições sérias” – Arinna Vital, psicóloga e terapeuta de casais
2) Consumir conteúdos pornográficos escondido do parceiro
Está de noite. Sua parceira foi dormir, mas você aproveita para acessar conteúdos pornográficos, certificando-se de apagar o histórico de navegação para que ela não descubra. É traição ou apenas “expressão do prazer individual?”
"É um tipo de isolamento no relacionamento, não dando espaço para o parceiro vivenciar uma experiência sexual boa e saudável. Muitas vezes, o caso se torna patológico, onde a pessoa cria prazeres externos e, quando o parceiro descobre, causa uma imensa dor, sensação de estar sendo traído, humilhado ou passado para trás” – Arinna Vital, psicóloga e terapeuta de casais
3) Utilizar perfis falsos em redes sociais para interagir com outras pessoas
Você está em um relacionamento sério, mas mantém perfis falsos nas redes sociais que seu parceiro desconhece. Com um desses perfis, troca mensagens de teor mais descontraído, flertando com desconhecidos, interage com curtidas e comentários. Você justifica para si que esses perfis são só “uma forma de se divertir” e que isso não compromete o relacionamento.
"Você se sentiria enganado se descobrisse que sua parceria tem outros perfis para interações com outras pessoas sem o seu conhecimento, mesmo que fosse só para conversar? Se sim, não faça aquilo que não gostaria que fizessem com você. O que é preciso ser escondido envolve desonestidade. Essa prática engana e causa dor” – Naira Caroline, psicóloga especialista em terapia familiar
4) Excluir conversas ou esconder notificações
Você é comprometido, mas mantém amizade próxima com um colega de trabalho. Vocês trocam mensagens constantemente, algumas delas com um tom mais pessoal e elogios . Para evitar conflitos, você apaga essas conversas antes de chegar em casa e desativa as notificações do celular quando está com seu parceiro.
"Olhando a situação, precisamos levar em consideração alguns fatores, por exemplo, a intensidade e o tipo de elogios. Mas, quando o ato de apagar conversas, assim como desativar as notificações, é frequente, isso sinaliza que não há confiança na relação!” – Patric Barbosa, psicólogo
5) Manter aplicativos de namoro instalados, mesmo já estando em um relacionamento
Você começou a namorar há alguns meses, mas ainda mantém alguns aplicativos de namoro instalados no celular apenas por “garantia”.
"Se o relacionamento tem um acordo monogâmico, a pergunta é: para que ainda preciso manter os aplicativos de namoro?” – Arinna Vital, psicóloga e terapeuta de casais
6) Mexer no celular do parceiro enquanto ele não está vendo
Você tem um parceiro e, quando ele vai ao banheiro, por exemplo, você aproveita para mexer rapidamente no celular dele, verificando mensagens, redes sociais e histórico de chamadas. Embora nunca tenha encontrado nada comprometedor, você sente que precisa garantir que ele esteja “comprometido de verdade” no relacionamento e considera isso apenas como um “cuidado” para o bem dessa relação.
"Nesse caso, há uma traição na confiança em quem pratica o ato. Pois isso não é cuidado! É baixa autoestima, insegurança e possessividade! Pelo simples fato de não ter nada que comprometa o dono do celular” – Patric Barbosa, psicólogo
7) Curtidas e comentários em fotos de ex-namorados(as)
Você tem notado, com certa frequência, que seu parceiro ou parceira curte e comenta nas fotos de ex-namorados(as).
"Isso varia conforme o que o casal definiu como limites nas interações com outras pessoas nas redes sociais. Por isso, ter uma boa comunicação é fundamental. Se um ou ambos se sentem incomodados com essas interações, é essencial que isso seja conversado de forma transparente para evitar mal-entendidos e ressentimentos” – Naira Caroline, psicóloga especialista em terapia familiar
8) Manter contato frequente com o ex
Você terminou um relacionamento há mais de um ano, mas ainda continua trocando mensagens com frequência com seu ex. Apesar do novo namorado (a), você acha que manter contato com o ex é algo normal, já que terminaram em bons termos e “ficaram amigos”.
"Manter contato com ex-parceiros pode ser aceitável em algumas situações, dependendo do novo relacionamento e das emoções de cada um. No entanto, para alguns, isso pode provocar inseguranças ou ciúme. É crucial que os parceiros conversem sobre seus sentimentos e estabeleçam limites confortáveis” – Naira Caroline, psicóloga
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