“Não podemos glamourizar a obesidade”, diz psicóloga
A especialista explica que isso também é preconceito e faz com que as pessoas se sintam intimidadas de buscar ajuda
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Dados do Ministério da Saúde revelam que mais de 30% da população adulta no Brasil têm obesidade. Além de enfrentarem a doença, essas pessoas também precisam lutar contra o preconceito que se apresenta de várias formas no dia a dia de quem tem obesidade.
Para a psicóloga Andrea Levy, presidente e cofundadora da ONG Obesidade Brasil, esse preconceito pode ser prejudicial tanto para a saúde mental dessas pessoas, quanto para o tratamento.
Em entrevista no TribunaLab, a psicóloga disse que o primeiro passo é reconhecer a obesidade como uma doença e tomar cuidado até mesmo com a linha tênue entre o combate e tratamento da obesidade e a valorização do próprio corpo.
Andréa ressalta que, por muitas vezes, a glamourização da obesidade também pode se transformar em uma forma de preconceito que constrange a pessoa com a patologia a buscar ajuda para a sua doença.
PERFIL
Andrea Levy
- Presidente e cofundadora da ONG Obesidade Brasil.
- Psicóloga Clínica e bariátrica, especialista em Obesidade e Transtornos Alimentares pelo HC-FMUSP.
- Mais de 20 anos de atuação em clínica de obesidade e cirurgia bariátrica.
- Autora do livro “Cirurgia Bariátrica: Manual de Instruções para Pacientes e Familiares”.
A Tribuna – Como o preconceito contra a obesidade se apresenta hoje?
Andrea Levy – Primeiro, uma coisa importante é que hoje falamos “a pessoa com obesidade”. Por que isso faz diferença? Falamos a “pessoa com diabetes”, a “pessoa com pressão alta”, a pessoa com alguma síndrome. Isso porque a pessoa vem antes da patologia.
Isso parece uma bobagem semântica, mas tem feito muita diferença, principalmente na forma de os profissionais de saúde tratarem as pessoas com obesidade.
Isso vai demorar alguns anos ainda para se estabelecer de forma mais natural, mas essa também é uma das formas de preconceito.
O preconceito começa com olhares, quando a pessoa não cabe na catraca, na cadeira, nas roupas que são vendidas. Tudo isso é uma forma de a sociedade fechar o acesso para as pessoas que têm obesidade.
É uma forma de dizer para essas pessoas que não são bem-vindas, “você não cabe aqui”.
O preconceito mais grave de todos, e que quem nunca passou por isso não faz ideia, é aquele da mulher com obesidade que vai fazer um exame ginecológico, por exemplo, e não cabe na maca. Vai fazer um exame no hospital e não cabe no aparelho.
Isso fecha o acesso aos tratamentos de outras doenças até. A pessoa pensa 10 vezes antes de ir, se vai caber, se não couber, o médico vai tratar mal, vai mandar emagrecer, e ela acaba não indo.
Isso acontece muito, e as pessoas acabam por descobrir tardiamente um diagnóstico de câncer, por exemplo, porque tinham medo de passar ou efetivamente passaram por situações de preconceito.
Esse tipo de preconceito atrapalha de que forma o tratamento da obesidade?
Sentir-se excluído, de qualquer forma, afeta não só a saúde física como a saúde mental também. A pessoa vai se isolando, deixando de procurar tratamentos e, muitas vezes, pode desenvolver um transtorno de ansiedade, de depressão. Vai virando uma bola de neve.
Tudo na vida de uma pessoa com obesidade, da hora que ela acorda até a hora que vai dormir, é mais difícil.
Ela tem que pensar para se vestir, se locomover, no mobiliário que vai usar, ela tem de pensar como vai enfrentar aqueles preconceitos todos durante o dia, olhares, catracas. É um sofrimento extremamente solitário.
Ainda por cima, as pessoas fazem piadinha ou sugerem uma dieta e a pessoa com obesidade ainda se sente na obrigação de ser engraçado, de ser divertido.
Ou dizer que está fazendo uma dieta, como se ela tivesse que se justificar ou fazer uma prestação de contas.
Se não está fazendo nada, aparentemente, alguém cobra que esteja fazendo. Se diz que está fazendo um tratamento clínico, vão dizer que é loucura tomar remédio.
Se diz que vai fazer a cirurgia bariátrica, é mutilação, é exagero, “você não precisa disso, fecha a boca que você vai emagrecer”, “meu vizinho fez e morreu”, e por aí vai. A pessoa com obesidade nunca tem saída!
Mas o que é de fato a obesidade?
A obesidade é uma doença crônica e sem cura. Temos de reforçar isso! Hoje temos tratamentos muito avançados que mantêm a obesidade sob controle, mas não há cura.
É muito importante as pessoas saberem que o corpo delas é programado para engordar. Então, parou o tratamento, o corpo engorda. Muitas pessoas abandonam o tratamento porque engordam e dizem que o médico vai dar bronca.
É bem quando o paciente mais precisa de ajuda. Nessa hora, o profissional de saúde precisa ajudar a retomar as rédeas do tratamento.
Se uma pessoa tem pressão alta e tomar o remédio todo dia, nada impede que ele, mesmo tomando remédio, tenha um pico de pressão alta. O que ele faz? Corre no médico e não vai ficar com medo do profissional dar bronca porque teve um pico de pressão.
Com a obesidade é a mesma coisa, nada impede de mesmo a pessoa fazendo tudo certinho ela ter um ganho de peso. Aí é preciso reavaliar as condutas do tratamento.
Muitos preconceitos vêm disfarçados de elogios, como aconteceu com a cantora Preta Gil, que recebeu elogios por ter emagrecido em meio a um tratamento de câncer. Como isso atrapalha?
Veja que isso é uma inversão de valores. Vivemos em um mundo que o importante é estar magro. Se estou com câncer, diabético, ou com uma doença grave, não importa muito, pelo menos estou magro. Que loucura é essa? Não é vantagem nenhuma perder peso dessa maneira!
Isso acontece, na minha opinião, por diversas causas. Primeiro, por falta de conhecimento. Se ela sabe o que é a obesidade, sabe que tem tratamento, e que quanto mais precocemente buscar o tratamento, melhor.
Hoje, se a pessoa que vai buscar tratamento quando está em um sobrepeso, também acaba sofrendo preconceito, escuta “mas você nem é tão gordinho assim. Fecha a boca e vai caminhar que você consegue”.
Precisamos falar muito disso, porque as pessoas ou vão para um lado de glamourizar a obesidade, dizendo que tem de aceitar o corpo que tem, ou vão para a obrigação de estar magro.
O tratamento da obesidade não é sinônimo de estar magro. Se tenho obesidade e saí de um patamar muito alto e cheguei no sobrepeso, sucesso!
Como perceber essa linha entre se aceitar e glamourizar a obesidade?
A linha está entre glamourizar a doença, valorizar e dizer que tem de ser gordo mesmo porque tem de se aceitar do jeito que é. Mas não podemos glamourizar a obesidade porque isso é mais preconceito. Isso faz com que as pessoas se sintam intimidadas de buscar ajuda.
Isso faz com que pessoas que querem buscar ajuda para emagrecer um pouco, para se sentir melhor, um tratamento precoce da obesidade, cheguem no consultório se desculpando dizendo que querem emagrecer, mas que não é por estética, é pela saúde.
A estética também faz parte da saúde mental e está tudo bem querer se sentir melhor.
Temos de tirar esses tabus das conversas e falar às claras. A obesidade traz doenças sérias. A própria obesidade já é uma doença séria. A gente não pode impedir ninguém, recriminar ninguém que queira se tratar.
Se a pessoa não quer se tratar, ela acha que o corpo está tudo certo, a gente respeita. Mas ela precisa entender que a obesidade é uma doença extremamente grave e que vai trazer outras consequências.
Também não podemos impedir que essa pessoa busque ajuda, se quiser. E ela tem que ser acolhida da melhor forma.
Sabemos que não é fácil buscar ajuda para tratar uma doença que é tão estigmatizada, a qual o próprio paciente é tão culpado pela doença, cheio de tabus, estigmas e preconceitos. Por isso, informação é tão importante.
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