Motociclista tem perna reconstruída com uso de células-tronco
Felipe Matheus Bezerra teve membro destruído em acidente de moto, quando foi atingido por caminhão ao tentar uma ultrapassagem
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Um capixaba teve a perna reconstruída com a ajuda de células-tronco, após sofrer um acidente de moto em agosto do ano passado próximo a um trevo de Anchieta, no Sul do Estado. Felipe Matheus Bezerra, de 22 anos, tentou fazer uma ultrapassagem e acabou debaixo de um caminhão. Ele teve a perna “destruída”, com fraturas no joelho, calcanhar e quadril.
O cirurgião vascular Eliud Garcia foi o responsável pela maior parte do tratamento de Felipe. “Ele disse que ia salvar minha perna. No processo, utilizou células-tronco e curativo a vácuo. Também usaram uma pele sintética, para ajudar na regeneração da minha pele”, contou Felipe. O paciente ficou internado, durante todo o período, no Hospital São Lucas, em Vitória.
“Utilizamos terapia de pressão negativa, que cobre o membro e faz uma drenagem fechada. Em seguida, iniciamos terapias regenerativas, com enxerto autólogo de medula óssea, que contém células-tronco e fatores de crescimento”, explicou Eliud Garcia.
A terapia com enxerto autólogo consiste no uso de tecidos e células do próprio paciente para estimular a regeneração em áreas lesionadas. Essas células possuem capacidade de reparo e diferenciação, ajudando a reconstruir tecidos danificados, modular a inflamação e acelerar a recuperação.
“Nesse tratamento, o paciente doa para si mesmo células retiradas da sua própria medula óssea, que é rica em células-tronco e fatores de crescimento essenciais para a regeneração”, frisou.
O tratamento é minimamente invasivo, sendo aplicado por injeções locais na área lesionada ou por infusão intraóssea, dependendo da gravidade do trauma. Ele permite a redução da necrose e melhora da vascularização, além da modulação da inflamação e resposta imunológica e estimulação da regeneração dos tecidos.
“O grande diferencial da terapia com enxerto autólogo é que o corpo do próprio paciente fornece os recursos necessários para sua recuperação. Isso evita o risco de rejeição imunológica e reduz complicações, como infecções hospitalares e longos períodos de internação”.
A técnica vem sendo utilizada em grandes centros de trauma e ortopedia, como uma alternativa promissora para lesões complexas, especialmente em casos onde as opções convencionais apresentam limitações.
ENTREVISTA
“Quero ajudar outras pessoas” - Felipe Matheus Bezerra, vítima de acidente
- A Tribuna: Você se recorda dos momentos de pânico vividos durante o acidente?
Felipe: Sim, lembro que me agarrei no caminhão e fui arrastado. Só depois consegui perceber o que aconteceu. Minha perna direita ficou praticamente destruída.
Fique acordado o tempo todo, mas não lembro bem do momento do socorro. Tenho apenas alguns flashs. Cheguei ao hospital com fraturas no joelho e no calcanhar. Até uma parte do quadril estava separada. O médico me disse que meu quadro era grave e eu corria risco de perder a perna.
- Você chegou a pensar que não conseguiria mais andar?
No começo, como eu não via minha perna, não sabia o grau das lesões. Mas, desde o início, sentia os meus dedos dos pés e acreditava que poderia voltar a andar.
Além disso, o médico dizia o tempo todo que iria salvar minha perna. A confiança no profissional me ajudou bastante. Fiquei internado no Hospital São Lucas, em Vitória, por 166 dias. Foi bastante intenso, mas tive a companhia de pessoas excelentes que me ajudaram a passar por tudo.
- O que planeja para o futuro?
Eu estava fazendo Engenharia Elétrica, mas acabei trancando a faculdade por conta do acidente. Agora, estou focado na minha recuperação, mas ainda não sei o que vou fazer depois. Penso em voltar a estudar, talvez até ajudar outras pessoas.
- Além de toda a batalha para a recuperação, o que mais te marcou?
Essa experiência me fez querer ajudar ainda mais as pessoas. Ainda não sei como, mas ser ajudado dessa maneira me fez querer fazer o mesmo para outras pessoas.
Percebi e provei o quanto é importante ter um suporte e, no futuro, quero poder proporcionar isso a outros.
Parceria com a Nova Zelândia
O cirurgião vascular Eliud Garcia contou que Felipe Bezerra chegou ao hospital com trauma abdominal, torácico e uma lesão muito grave que ia da bacia até o pé direito. Segundo ele, havia uma significativa destruição, com múltiplas fraturas e esmagamentos ósseos.
“Outro problema era que ele não tinha pele do quadril até o pé, e também não possuía áreas saudáveis para doação de enxertos. Buscamos ajuda de colegas e conseguimos um contato com uma indústria da Nova Zelândia, que nos forneceu um material chamado Endoform, uma matriz extracelular de colágeno de alto custo”, afirmou.
O médico explica que o Endoform é desenvolvido a partir de material extraído do estômago do carneiro. “Diferente de curativos comuns, contém proteínas e fatores biológicos que auxiliam na remodelação da pele e estimulam o organismo a regenerar, de maneira eficiente, tecidos danificados”.
TRATAMENTO
O Endoform é desenvolvido pela empresa Aroa Biosurgery, da Nova Zelândia. “Conseguimos 400 Endoform para realizar o tratamento, e cada um custa mil reais”.
Eliud conta que o Endoform foi aplicado para preparar o local para os enxertos de pele. “Como ele ficou internado por 150 dias, sua pele estava colonizada por bactérias hospitalares, dificultando a aderência. No primeiro procedimento, 50% do enxerto pegou”.
A partir disso, a equipe médica decidiu desospitalizá-lo para melhorar as condições de cicatrização em um ambiente com bactérias menos resistentes.
“Agora ele está em fase de reabilitação e fisioterapia. Dentro de seis meses, avaliaremos se a perna tem viabilidade biomecânica ou se será necessário outro procedimento para melhorar sua funcionalidade. Até o momento, ele passou por 14 cirurgias, entre ortopédicas, vasculares e regenerativas”.
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