“Meu filho foi preso pela cor da pele”, diz modelo da moeda da abolição
Afirmação é de Jorge Benjamim, que foi modelo de rosto para moeda dos 100 anos da Lei Áurea e teve filho preso injustamente
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O aposentado Jorge Benjamim dos Santos, de 61 anos, pode se orgulhar de um feito que é para poucos: ele é o modelo do rosto que estampa uma das moedas do Trio Axé, em alusão aos 100 anos da Abolição da Escravatura, lançado em 1988.
Por outro lado, há quatro anos, o carioca sentiu na pele a dor do preconceito, ao ver o filho, o DJ Leonardo Nascimento, na ocasião com 27 anos, ser preso injustamente.
“Tive meu filho que foi preso pela cor da pele, acusado de um homicídio e tivemos que provar a sua inocência”, afirmou Jorge.
Conhecido como o “Moeda Viva”, ele esteve em Vitória no início do mês em um evento para colecionadores e conversou com a reportagem de A Tribuna.
Ele se tornou atleta, correndo para o Flamengo, e logo depois competiu em um programa da Casa da Moeda do Brasil, em 1984. Posteriormente, se tornou funcionário efetivo da instituição até se aposentar.
“Nos convidaram para tirar foto. E ali as fotos foram selecionadas e seria estampada a moeda. Então, a minha foto é uma dessas selecionadas”, explicou.
Se, por um lado, ele vive o orgulho de ser conhecido como “Moeda Viva”, por outro, a família enfrentou uma verdadeira saga até provar a inocência de seu filho Leonardo, de 27 anos, após o jovem ter sido preso, depois de ser reconhecido por testemunhas, no Rio, em um caso de repercussão internacional.
Leonardo foi apontado como autor do latrocínio (roubo seguido de morte) contra Matheus dos Santos Lessa e a família sempre alegou sua inocência, inclusive com imagens de câmeras de segurança que mostravam Leonardo chegando em casa no mesmo momento do crime.
Matheus foi morto ao defender a mãe no mercadinho da família. A polícia solicitou a revogação da prisão de Leonardo, após a investigação identificar a dupla que realmente praticou o assalto.
Um bandido confessou ter atirado em Matheus e entregou um terceiro cúmplice. Leonardo ganhou a liberdade após a luta de seus familiares para provar a inocência.
“Meu filho hoje aparentemente está bem, mas dentro dele a gente não sabe. Mas, graças a Deus, ele está superando, levando a vida dele, trabalhando”, afirmou Jorge.
“Estamos aí nessa luta para combater o racismo”
A Tribuna – Com é que se sentiu naquela ocasião, em ter o rosto escolhido para estampar uma moeda?
Jorge Benjamim dos Santos – Eu me senti muito feliz. Em estar numa moeda e representando uma classe muito grande que é a classe negra. E estar na moeda simbólica representando o centenário da assinatura da Lei Áurea.
Como avalia a questão do racismo hoje no Brasil? A questão do Vini Junior, que é brasileiro e sofre grande preconceito no exterior?
No Brasil ainda temos que combater muito, ainda estamos combatendo. Para que isso um dia venha a ter um fim. Porque nós vimos muitos acontecimentos, não só com o Vinícius lá fora, mas aqui no nosso País tem várias atletas, também sofrendo com o racismo.
E pessoas no dia a dia ...
Pessoas no dia a dia, como eu também, que tive meu filho que foi preso pela cor da pele, acusado de um homicídio e tivemos que provar a sua inocência. Então, o Brasil ainda é um país racista.
Como é que foi isso?
Foi em 2019 no qual houve um assassinato próximo da nossa residência e o meu filho foi confundido com quem cometeu o crime.
Só que nós tivemos que provar, tivemos que arrumar imagens de câmera, né! Que conseguimos provar a inocência do nosso filho. Hoje por estar numa moeda, ainda sofremos com o racismo.
Como vocês estão hoje?
O meu filho é o Leonardo Nascimento, conhecido como DJ Leonardo. Hoje nós estamos aí nessa luta para combater o racismo, que está bem fluente, não só aqui como em todo o mundo.
E como está seu filho?
Meu filho hoje aparentemente está bem, mas dentro dele a gente não sabe. Mas, graças a Deus, ele está superando, levando a vida dele, trabalhando.
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Ele trabalha como DJ ainda?
Ele trabalha como DJ, mas a gente sente que ele não está mais com aquela animação de antes. Hoje ainda trabalha, faz alguns eventos, a gente sente que tudo isso atingiu também o psicológico dele. A gente como pai sabe que isso afetou muito a vida do meu filho.
E que mensagem que você tem para todos os negros?
Que a gente nunca desista de lutar. Porque temos um ideal de igualdade. Uma luta pela igualdade racial, religiosa. Se a gente tiver força para lutar, vamos continuar. É dolorido sofrer racismo, mas não podemos desistir nunca de nossos direitos, de sermos respeitados.
Trio Axé e o centenário da Lei Áurea
As moedas alusivas aos 100 anos da Lei Áurea, celebrados em 1988, portanto, há 35 anos, são compostas por três faces distintas, e conhecidas como Trio Axé.
Elas são as faces de um homem (Jorge Benjamim dos Santos/“o pai”), uma mulher (“a mãe”) e uma criança (“o filho”).
As moedas, cada um de 100 Cruzados, foram cunhadas em aço inoxidável, totalizando 600 mil unidades lançadas em circulação em 1988.
Junto às faces que compõem o anverso, a palavra Axé faz referência à mais conhecida saudação de origem afro-brasileira.
O reverso é estampado por uma combinação de estrelas, simbolizando o valor da moeda, para auxiliar a identificação por portadores de deficiência visual.
O estojo tem a parte externa em azul e o interior possui uma imagem da princesa Isabel, com alguns dizeres. Entre eles: “Declaro extinta a escravidão no Brasil”. E o espaço para acomodar as três moedas. Ou, individual, com a foto de Jorge. Hoje, ele viaja pelo Brasil, em eventos de colecionadores.
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