Jovens mantêm tradição da Folia de Reis no ES
Manifestação folclórica e religiosa é passada para as gerações há séculos. Ao todo, são cerca de 40 grupos em várias cidades
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Por promessas, cultura e fé, muitos jovens mantêm a tradição de Folia de Reis, de Norte a Sul do Estado, levando alegria e palavras de conforto aos lares capixabas durante a manifestação religiosa e folclórica. A folia reproduz a caminhada dos reis magos Gaspar, Belchior e Baltazar até o local de nascimento do Menino Jesus, em Belém.
Tradicionalmente as visitas da Folia de Reis começam na noite de Natal, à meia-noite do dia 24 de dezembro, e seguem até o dia 6 de janeiro, quando é comemorado o Dia de Reis.
Apesar de variar conforme a região, a Folia de Reis integra muitos elementos: roupas e acessórios adornados, instrumentos (viola, reco-reco, tambor, acordeon, sanfona, pandeiro, gaita, etc); personagens dos três reis magos; palhaços que vão realizando apresentações durante o desfile; cantores e instrumentalistas; mestre (chefe da folia); bandeireiro (carrega a bandeira); entre outros.
Morador de Cachoeiro, o estoquista Rafael dos Santos, conhecido por Mabu, 33 anos, comemora 21 anos de folia, e declara ser o poeta de reis, já que de versinhos recitados durante as visitas, Mabu passou a declamar poemas, o que encantou os visitados.
O jovem faz parte do grupo “Jornada do Pôr do Sol”, um dos 40 grupos de Folia de Reis que mantêm a tradição no Estado.
“Com 13 anos comecei saindo como folião. Dois anos depois veio no meu coração brincar de palhaço. O palhaço até então não era poeta, mas não me limitei aos versinhos, e passei a escrever poemas. Minha fé e devoção aos reis magos me fazem levar palavras de conforto e alegria às casas que visitamos”, afirmou.
O jovem Mabu revela que a Folia de Reis faz parte de uma promessa que fez para a transformação da própria vida.
“Eu tive uma vida muito ruim no passado, uma vida triste. Foram muitas decepções em questão de família. Há sete anos fiz uma promessa, de que se Jesus, Nossa Senhora, e os Três Reis do Oriente mudassem a minha vida, eu ia pagar uma promessa de sete anos”, afirmou.
E conclui feliz: “Por incrível que pareça, esse ano faço os sete anos de promessa, e 21 anos de farda, e não pretendo parar, pois sou muito grato a Deus por tudo que me proporcionou.”
Celebração religiosa
A Folia de Reis começou a ser celebrada pela Igreja Católica como forma de comemorar a visita dos três reis magos a Jesus. No momento em que os Reis Magos avistaram no céu a estrela de Belém, eles foram ao encontro de Jesus e levaram incenso, ouro e mirra para presenteá-lo.
Por isso, o Dia de Reis se refere também à data em que as árvores, os presépios, os adornos e as decorações natalinas são retiradas.
A assessora de Folclore da Secretaria de Estado da Cultura (Secult), Joelma Consuelo, explica que a tradição é uma viagem ao passado, e tudo está na bíblia.
“Eles passaram 12 dias caminhando para encontrar Jesus. A tradição cumpre sair pelas ruas e entrar nas casas. Eu, por exemplo, recebo a Folia de Reis na minha casa. Nós que estamos recebendo os apóstolos, damos o presente, que é um lanche, uma ceia. Eles foram presentear Jesus, então nossa casa é um apoio para alimentar os reis”, explica Joelma.
“Os palhaços significam os soldados, por isso usam a máscara, que é uma máscara muito feia, com chifres e bigodes imensos, porque simboliza isso. Quando a folia entra na igreja, os palhaços não entram, porque eles eram os soldados que perseguiam Jesus, e a igreja é a casa de Jesus.”
Encontro nacional em Muqui
A cidade histórica de Muqui, na região Sul do Estado, celebra no ano que vem o 69º Encontro Nacional da Folia de Reis. São esperados dezenas de grupos de diferentes estados brasileiros, principalmente do Ceará, de São Paulo, Minas Gerais, Bahia e Paraná.
A reunião está marcada para o dia 4 de fevereiro, e é muito esperada pelos foliões.
No Espírito Santo, a Folia de Reis vem dos portugueses, no século XVII. Com a chegada dos italianos, eles também aderiram à tradição. Descendentes dos negros escravizados também incorporam a manifestação folclórica e religiosa.
São três grupos diferentes no Estado. Na região Sul, que compreende Muqui, Cachoeiro, Mimoso, Atílio Vivacqua e Jerônimo Monteiro, e na região do Caparaó está a Folia de Reis de tradição portuguesa, que concentra o maior número de grupos.
Na região de montanhas, como em Venda Nova do Imigrante, Afonso Cláudio, Marechal Floriano e Domingos Martins, está consagrada a Folia de Reis de tradição italiana. Já no Norte do Estado, em Conceição da Barra e São Mateus, há a folia de origem negra.
Visita pode ser agendada para receber festejo em casa
Em Cachoeiro de Itapemirim, onde o folião Rafael dos Santos recita seus versos, a agenda para este ano está cheia, já que o jovem decidiu fazer visitas nas casas.
“Estávamos com dificuldade de encontrar pessoas que abrissem as portas para nós. Somente os mais antigos abrem as portas, quem conhece a tradição, e por isso a importância da divulgação também. Esse ano decidimos agendar com as pessoas e teremos muitas casas para ir”, disse Rafael.
Assessora de Folclore da Secretaria de Cultura do Estado, Joelma Consuelo afirma que entende a razão de muitas pessoas se recusarem a receber a folia em casa, pelo medo do desconhecido, já que em regiões maiores, os moradores não conhecem uns aos outras. Por esse motivo, a tradição acaba se limitando às comunidades mais antigas.
Para Rafael, a magia da bandeira traz alegria e paz para as pessoas.
“Muitas vezes chegamos na casa e rodamos com a bandeira, e na despedida, tudo muda. A bandeira tira o mal de dentro das casas, todo aquele atraso de vida das pessoas, e leva uma vida nova para aqueles que a receberam. Então muitos aceitam a folia através da fé, de pedidos de cura e de promessas.”
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