Família “adota” moradora de rua que ajudou jovem a vencer depressão
Relação de afeto teve início em um hospital, onde Josiana Lenci, de 43 anos, estava internada ao lado da jovem Beatriz Hubner
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Uma história de luta e superação, marcada por dramas familiares e que uniu a ex-moradora de rua Josiana Pinheiro Lenci, de 43 anos, vítima de espancamentos, e a jovem Beatriz Hubner de Souza, 18, vítima de um acidente que quase tirou a sua vida.
A dupla, que se conheceu há cerca de dois meses no Hospital Vitória, localizado no bairro Andorinhas, na capital, não quer mais se separar. A partir de agora, a ex-moradora de rua faz parte da família de Beatriz.
Ela foi “adotada” pela mãe da jovem, a autônoma Gesiane Hubner Gonçalves de Souza, 39 anos, e seus três filhos, e mora com eles em Mutum, Minas Gerais.
Rica em detalhes, a história que envolve o trio é marcada por momentos emocionantes e que daria um grande e belo roteiro de filme. Beatriz e a mãe vieram parar no antigo Hospital São Lucas, na capital, após a jovem cair de uma altura de 9 metros e ter traumas. O hospital, que é referência em traumas, era o mais próximo da cidade da família, na época do acidente (em novembro de 2021).
Depois de 35 dias internada na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), a jovem foi encaminhada para o Hospital Vitória para continuar com o tratamento. E foi nesse hospital que Beatriz conheceu Josiana, apelidada de Josi, moradora de rua, que estava com tuberculose, desnutrida e que após uma agressão perdeu a mobilidade.
“Minha filha não falava, não reagia e, graças à Josi, voltou a falar, a sorrir e a interagir com a família. Em gratidão à vida de Beatriz, resolvemos trazer a Josi para nossa família”, disse a mãe da jovem.
Após quatro meses de internação em um leito de longa permanência, Josi recebeu alta no Dia de Natal. Assistente social que ajudou a cuidar tanto de Josi quanto de Beatriz, Iara Cristina Rocha Lopes Gomes contou que nunca se deparou com uma situação parecida como a da família mineira em adotar uma paciente.
“O amor e o afeto transbordaram a ponto de acolherem a Josiana e a levarem para sua casa. Eu nunca imaginei que cuidaria da transferência dela para um lar. Isso nunca aconteceu. Não é comum”, afirmou, surpresa.
Médico intensivista do Hospital Vitória, Carlos Pretti lembrou que casos como os da família mineira são importantes e que levam sempre o ser humano a refletir sobre a vida. Segundo ele, em 30 anos de profissão, ele nunca tinha vivido algo parecido.
“Passamos a refletir mais. Estamos acostumados a reclamar de tudo, mas quando nos deparamos com uma situação dessas, nos emocionamos”, disse.
História emocionou equipe médica
A história da ex-moradora de rua Josiana Pinheiro Lenci, 43 anos, e da auxiliar de consultório odontológico Beatriz Hubner de Souza, de 18 anos, não emocionou só a família da jovem, mas também a equipe que cuidou das duas enquanto elas estiveram internadas no Hospital Vitória, em Andorinhas, na capital.
“Para o serviço social do hospital é sempre muito bom as relações afetivas, pois não são todos os familiares que cuidam de seus pacientes, muitos até os deixam abandonados no hospital. Com esta família foi bem diferente”, disse a assistente social do Hospital Vitória, Iara Cristina Rocha Lopes Gomes.
Ela, que acredita que o encontro entre as duas não foi só um encontro de almas e sim um milagre na vida de cada uma, revelou que a equipe se surpreendeu com a alta de Josiana e a disponibilidade da família de Beatriz em querer adotar a mulher.
“O que nos impressionou foi a capacidade e a disponibilidade da família da Beatriz. Mesmo com pouca estrutura, eles se propuseram a aprender e a manter um cuidado de qualidade, não só físico, mas psicológico também”, disse.
Ela revelou o aprendizado que o caso de Josiana representou para toda a equipe do hospital. “Só trouxe para gente uma injeção de ânimo para iniciarmos este novo ano com todo gás possível”, afirmou.
A assistente social disse ainda que a equipe multidisciplinar continuará à disposição da família, fornecendo orientações para a continuidade do tratamento em nível de ambulatório e resoluções das questões sociais que estão pendentes em relação à vida civil de Josiana.
Médico intensivista do hospital, Carlos Pretti também comentou sobre a experiência vivida ao atender o caso da ex-moradora de rua.
“Josiana era uma paciente que tinha limitações físicas e que permaneceu um longo tempo internada. E aí entrou no meio da história a família dessa jovem. Foi uma troca de valores que serve como exemplo para todos”, disse.
“Minha filha voltou a sorrir graças a ela”
Gratidão. Esse é o sentimento que transborda no coração de Gesiane Hubner Gonçalves de Souza, de 39 anos, mãe de Beatriz Hubner de Souza, 18. Ela que acredita que o encontro da filha com a ex-moradora de rua Josiana Pinheiro Lenci, de 43 anos, tenha sido de almas, só tem a agradecer.
“Sou grata a Deus e a ela pela vida da minha filha”, disse a autônoma, que contou detalhes da história.
A Tribuna – Como vocês conheceram a Josiana?
Gesiane Hubner – Minha filha sofreu um acidente no ano passado, ela caiu de uma laje de nove metros e foi transferida para o antigo São Lucas por ser o hospital mais próximo da nossa cidade, Mutum, em Minas Gerais.
Ela ficou internada quanto tempo lá?
Ficou 35 dias na UTI e depois foi encaminhada para fazer o resto do tratamento no Hospital Vitória, em Andorinhas. Foi lá que ela conheceu a Josi. Elas ficaram no mesmo quarto.
Como foi o processo de melhora da sua filha?
Como a Josi tem uma energia boa, é muito alegre, ela ficava instigando minha filha a falar. Uma vez a Josi brincou com ela e gritou de lá da cama dela: “Se você não se levantar daí, eu vou puxar seu cabelo”. Minha filha, que estava sem falar há muito tempo, perguntou: “Como, se você não anda?” Ali começou um encontro espiritual. Foi um encontro de almas. Minha filha voltou a sorrir graças a ela.
Por que decidiu “adotar” a Josi?
Minha decisão foi um propósito com Deus, por Ele devolver a vida da minha filha, ter dado um milagre para Beatriz. Fiz um propósito com Deus de cuidar da Josiana.
Conta com a ajuda de alguém para cuidar dela, como um marido, por exemplo?
Eu sou separada e cuido de quatro filhos. Hoje, vivo com o Bolsa Família e com um salário mínimo da minha outra filha. Com o pouco que ganhamos, a gente consegue ajudar o próximo.
Vocês aceitam doações?
Sim. Josi está precisando de fraldas, remédios e um aparelho massageador que consegue tirar as dores que ela sente.
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