Falta de tempo faz surgir uma geração de ansiosos
Pesquisa aponta que 62% dos brasileiros sofrem com a falta de tempo. No Estado, número pode chegar a 2 milhões de pessoas
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“Chegarei atrasado!”. Essa é a famosa frase do coelho branco da história clássica “Alice no País das Maravilhas”. Hoje, não faltam pessoas que se identificam com o personagem que está sempre correndo com o relógio na mão e resmungando sobre o tempo curto.
Mas, diferente da ficção, a correria contra o relógio gera consequências em vários aspectos da vida. A falta de tempo tem feito surgir uma geração de pessoas ansiosas e distraídas, como enfatizam psicólogos, médicos e estudiosos do comportamento humano.
Uma pesquisa realizada pela International Stress Management Association Brasil (Isma-BR) aponta que 62% dos brasileiros sofrem com a falta de tempo. No Estado, esse número pode ultrapassar 2 milhões de pessoas.
“As pessoas que têm uma sobrecarga de trabalho e sofrem com essa falta de tempo acabam tendo uma amígdala cerebral, que é a área no cérebro responsável pelas emoções, muito agitada. Está sempre com a sensação de alerta”, explica a psicóloga Juliane Verdi Haddad.
Pessoas que sofrem com a falta de tempo, segundo a psicóloga, costumam procrastinar, ou seja, deixar para depois; misturam vida profissional com a pessoal. “Isso traz mal-estar que pode gerar exaustão. O nível de estresse dessas pessoas normalmente é muito elevado”, alerta.
Além da sobrecarga e da falta de organização, outro “ladrão do tempo” são as redes sociais. “Temos muitas coisas que nos distraem e consomem nosso tempo. Quanto tempo ficamos nas redes sociais sem nem perceber? São situações que tiram tempo do trabalho, com família e amigos”, observa a professora de Gestão de Pessoas da UVV Marinete Frascichetto.
A distração é consequência direta do excesso de tarefas, como ressalta a neurologista Soo Yang Lee. “As pessoas querem resolver tudo ao mesmo tempo, exigindo maior capacidade de atenção dividida. Na verdade, a atenção dividida é uma ilusão. O cérebro alterna entre uma coisa e outra”.
A psicóloga Ana Carolina Souza indica que a tendência é se distrair com mais facilidade, tendo dificuldade de foco. “Com isso, tentar prever o fim da atividade o mais rápido possível, ou mesmo o medo de não conseguir cumprir a tempo, gera ansiedade”.
“Organizar a rotina não foi tarefa fácil”
A doceira Shaila Sant'Anna de Almeida, 36, tem várias funções. Além de fazer doces, ela é dona de casa, tem 4 filhos e não deixa de lado a rotina de treinos e a formação em coaching que está fazendo. Mas chegar a essa organização de tempo para tantos afazeres não foi fácil.
“Quando meu filho mais novo nasceu, ficava ansiosa com toda a rotina em casa, o que me levou a engordar. Me vi em uma nova rotina, com um recém-nascido, com o almoço para fazer para os maiores irem para a escola e outras coisas mais. Realmente foi muito difícil até conseguir encaixar uma rotina. Tive que me adaptar e aprender a ser produtiva. Hoje os filhos maiores, de 11, 9 e 6 anos, participam da organização da casa, entre outros truques”, disse Shaila.
Abaixo a ansiedade!
A maquiadora e assistente administrativo Malu Gianordoli, 24, já sofreu muito com a desorganização de horários e teve de aprender a lidar com a falta de tempo e com a ansiedade que ela causava.
“Atuo como maquiadora e tenho que estar organizada para encaixar horários de clientes, produzir conteúdo para as redes sociais e ainda trabalhar de segunda a sexta em outro local. Percebi que antes, sem uma organização, colocava mais pressão em mim mesma. Então, o desespero fazia parte dos meus dias. Hoje tento fazer um ranking de prioridades”.
Mulheres sofrem mais com sobrecarga de tarefas
O excesso de tarefas no dia a dia é um dos principais motivos da falta de tempo que gera ansiedade e distração. E quem mais sofre com essa rotina sobrecarregada são as mulheres.
Em 2019, um levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) constatou que as mulheres dedicaram quase o dobro de tempo que os homens aos cuidados de pessoas ou afazeres domésticos, além do tempo com o trabalho e carreira profissional.
“Essa sobrecarga vem devido à mulher ter conquistado seu espaço dentro do mercado de trabalho ao longo dos anos, embora não tenha perdido as responsabilidades como ‘dona de casa’. É notável que os impactos da pandemia foram mais nocivos às mulheres, uma vez que foi preciso conciliar a carreira e a rotina doméstica, sendo a chefe da casa”, diz a psicóloga Ana Carolina Souza.
Com essa sobrecarga, muitas vezes o cuidado com a própria saúde é negligenciado, como lembra a cardiologista Tatiane Emerich.
“A organização é fundamental para conseguir diminuir o impacto desse dia a dia corrido na saúde física e mental”.
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