Ex-seminaristas se unem para salvar prédio de antigo seminário em São Gabriel da Palha
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Por muitos anos, o prédio do seminário Comboniano de São Gabriel da Palha, no Noroeste do Estado, foi o local frequentado por jovens da região – muitos de famílias pobres, que viam na educação uma forma de garantir um futuro melhor para os garotos. As instalações, que outrora abrigavam um ambiente de ensinamentos, disciplina e espiritualidade, hoje, estão abandonadas.
No local onde se viam jovens estudando, rezando e correndo para lá e para cá, disputando uma partida de futebol nos momentos de folga, agora só se vê mato crescendo, janelas quebradas caindo aos pedaços, salas vazias e portões enferrujados.
Um grupo de cerca de 150 ex-seminaristas se reuniu pelas redes sociais para cobrar a revitalização do local e que ele seja utilizado pelo município para que não continue abandonado.
O procurador de Justiça aposentado Clementino Izoton é um dos ex-seminaristas que faz parte desse grupo. De acordo com ele, alguns colegas, que estudaram no local e depois se mudaram da cidade, voltaram até o prédio para filmar a situação na qual hoje se encontra.
“Quando viram aquilo em total abandono, choraram. Ali é onde eles receberam a educação. Começaram na quarta série do primário e depois foram para o ginásio. Foi o berço da educação deles”, contou Izoton.
Segundo o grupo de ex-seminaristas, o imóvel na localidade de Córrego São Gabriel, na Vila Comboni, zona rural a cerca de 1,5 quilômetros da sede da cidade, foi comprado pela Congregação Comboniana, em 1962. A congregação já tinha um seminário em Ibiraçu.
O novo seminário começou as atividades em 1965, mas elas foram encerradas no fim da década de 70. Com o fechamento do seminário, teve início uma série de mudanças na titularidade do terreno.
O imóvel foi vendido para a Mitra Diocesana – Diocese de São Mateus. Na década de 90, a Prefeitura de São Gabriel da Palha comprou o terreno e, em 2012, cedeu ao governo do Estado.
Um processo foi aberto no Ministério Público do Estado, em 2018, por conta do abandono do local e, no ano seguinte, a Administração Municipal pediu ao governo a devolução do imóvel, que retornou para as mãos da prefeitura em 2020.

Izoton destaca que, na campanha eleitoral de 2020, o atual prefeito da cidade, Tiago Rocha, falou que haveria projetos para o uso do local. “A intenção da prefeitura é fazer uma escola”, disse ele.
Em administrações passadas, segundo o procurador aposentado, cogitou-se transferir parte das secretarias municipais para o local para economizar com gasto de aluguel dos atuais imóveis, mas a ideia não foi à frente.
O desejo dos ex-seminaristas é de dar uso ao local, preferencialmente que seja uma escola. “É de chorar ver aquilo abandonado, cheio de mato”, lamenta Izoton.
Disciplina e espiritualidade
Ex-seminarista e até hoje morador de São Gabriel da Palha, o aposentado José Carlos Cavatti lembra com alegria dos momentos que viveu com os colegas e os padres no seminário Comboniano da cidade. Ele conta que ingressou no local aos 13 anos e estudou por três anos, entre 1968 e 1970, até ser transferido para o seminário de Ibiraçu.
Segundo ele, na instituição, os meninos estudavam (havia aulas até de latim) e também rezavam. Mas nem tudo era só disciplina, havia ainda os momentos de lazer.
“Era um estudo puxado, você tinha momentos de trabalhar e momentos de lazer. Lembro que quando jogava bola, às vezes, se ralava e tinha a enfermaria para fazer o curativo”, recorda.
Ele completa: “Na minha memória tenho os momentos felizes. Lembro dos conselhos que os padres davam. Os padres eram rígidos no ensino, mas não eram de bater. Eles cobravam a gente”.
As terras onde está construído o seminário são de familiares dele. Cavatti relata que o local pertencia aos tios, que formavam a família Colombi. O terreno foi dividido em pedaços para cada parte ser destinada a um filho e mais um pedaço foi doado para a Congregação Comboniana.
“O velho tinha um sonho que algum filho ou herdeiro fosse padre. Nesse seminário, por coincidência, tem um padre que é da família Colombi. A maior dádiva para uma família italiana, nessa época, era um dos familiares se tornar padre ou irmã”, lembra Cavatti.
O seminário, relata ele, atendia também famílias pobres da região. Como os seminaristas não tinham renda, o local sobrevivia por doações.
“Tinha um livro de ouro, outro de prata e outro de bronze. Era sigilo os nomes das pessoas. Alguns davam dinheiro e outros mantimentos. Isso na região inteira. Lembro que passava pelas roças e pegava um saco de feijão e em uma roça, meio saco de arroz pilado em outra”, explica.
Depois que o seminário encerrou as atividades, a população se reuniu para comprar o terreno. “Deram sacas de café e fizeram até bingo. Com o dinheiro, comprou o terreno, mas ficou faltando. Eles plantaram café para vender as sacas para pagar a divida”, disse Cavatti.
“Dá uma tristeza, um remorso profundo ver como está hoje. A gente quase chora de ver uma coisa tão bonita se acabando. Na vida você constrói coisas materiais que te dão prazer, mas há coisas espirituais que dão prazer e aquilo foi isso para gente. Lá o cupim está comendo, mas está comendo porque comeu a memória de quem não está cuidando”, lamentou.

Prefeitura quer transformar local em colégio militar
A reportagem do Tribuna Online procurou a Prefeitura de São Gabriel da Palha. Em nota, a Administração informou que o prédio do antigo Seminário da Congregação Comboniana é um patrimônio de elevado valor histórico para o município, mas vem sofrendo ao longo dos anos com a depreciação e com a falta de atenção em relação a manutenções periódicas, reparo de danos e falta de projetos para reverter o quadro em que se encontra.
"Pensando nisso, a atual gestão incluiu em seu plano de governo apresentado ainda no ano de 2020, o projeto que transformaria o Seminário em um Colégio Federal Militar, trazendo apoio Federal para o Município, que se desdobrará em educação de qualidade, equipamentos novos e tecnológicos, aprendizagem de hierarquia e disciplina, além de aproveitar o grande potencial da área do antigo seminário que tem aproximadamente 25.000 m²", informou.
A respeito de prazos para que o projeto seja desenvolvido, a prefeitura informou que "não é prudente fixar uma data, tendo em vista que estamos passando por uma pandemia e diversos seguimentos estão com contenção de gastos, todavia, o Executivo Municipal já se manifestou em sentido positivo com o Termo de Adesão ao Programa Nacional das Escolas Cívico Militares".
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