Decisão de usar termo "leite humano" ao invés de "leite materno" ganha adesão no Estado
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Um debate iniciado no Reino Unido ganhou repercussão na internet e tem promovido debates pelo mundo, inclusive no Espírito Santo. Um hospital no Reino Unido divulgou uma cartilha que apresenta mudanças no vocabulário e instrui profissionais de saúde a substituir “leite materno” por “leite humano”, “mãe leite" por “pessoa que amamenta” e falar “mulher ou pessoa” sempre que possível.
O documento, do Hospital Universitário de Brighton e Sussex, apresenta mudanças no vocabulário da equipe de obstetrícia, com o objetivo de incluir pessoas trans.
A cartilha possui 19 páginas para “aconselhar o novo linguístico” às equipes do hospital. A “ala da maternidade” também teve o nome substituído pelos “serviços perinatais”.
"Estamos usando conscientemente palavras como 'mulheres' e 'pessoas' juntas para deixar claro que estamos comprometidos em trabalhar para lidar com as desigualdades de saúde para todos aqueles que usam nossos serviços", diz um trecho da cartilha.
Em uma publicação no Twitter, a unidade escreveu que deseja que sua nova linguagem seja “inclusiva”, em vez de “neutra”.
"Queremos que todos que usam nossos serviços se vejam refletidos na linguagem que usamos. Isso significa não apenas mulheres grávidas, mas também grávidas trans e não binárias".
O Tribuna Online procurou especialistas para abordar o assunto no Espírito Santo.
Segundo a coordenadora de Ações e Projetos do Grupo Orgulho, Liberdade e Dignidade (Gold), Deborah Sabara, a discussão a cerca do assunto é de suma importância, pois além de fazer a inclusão de outros gêneros, ensina a sociedade em geral como utilizar as novas terminologias e em quais momentos usá-las.
"Todas as palavras que são usadas para respeitar o gêneros, as pessoas trans, devem ser utilizadas. Mas também é importante frisar que esse é um processo de educação que precisa ser feito com muita calma para que a população entenda. A discussão a cerca do assunto é de suma importância, pois além de fazer a inclusão de outros gêneros, ensina a sociedade em geral como utilizar as novas terminologias e em quais momentos usá-las", explicou Deborah.
A coordenadora disse também que o processo de ativismo é ensinar todos os dias para que as pessoas entendam. Além disso, mesmo que o debate sobre as mudanças nos termos sobre a amamentação tenham começado no Reino Unido, é preciso implementar aqui também.
" Quando temos essas mudanças corajosas em outros países, a gente precisa ir implementando aqui também. É sempre possível mudar as terminologias para que se possa respeitar as pessoas das melhores formas. Sejam eles termos voltados para pessoas deficientes, para pessoas em situação de vulnerabilidade, entre outros. Isto é, são termos que respeitam as pessoas e suas condições. Então é preciso que a gente debata sobre esse assunto e se coloque em um momento de aprendizado para mudar as coisas", salientou.
Médicas avaliam que mudança promove inclusão
A ginecologista e obstetra Adriana Correa Leite Queiroz acredita que essa nova linguagem promove a inclusão e é necessária.
"Ao meu ver faz mais sentido usarmos o termo leite humano do que leite materno, pois é uma forma de respeitar as pessoas como um todo, incluindo pessoas trans e não-binárias que, assim como homens e mulheres, têm direito a amor, atenção e respeito. Essas famílias existem e essa é uma atitude que dá visibilidade a essas pessoas", opinou a médica.
Segundo a pediatra Luana Ferreira Galhardo, o debate é válido e positivo. A especialista ressaltou que no dia a dia são utilizados termos preconceituosos sem levar em consideração o significado e, por isso, é importante se atentar aos termos usados.
"Desde sempre usamos termos linguísticos preconceituosos no dia a dia, às vezes sem mesmo nos dar conta. É importante reconhecer o preconceito por trás desses termos e evitar o seu uso. Se o termo leite materno segrega, devemos sim mudar a forma como nos referimos. O aleitamento estabelece um vínculo muito forte entre o bebê e quem está amamentando, e deve ser estimulado desde o nascimento, assim que possível. Acredito que essa orientação deva ser feita de forma que não ofenda ninguém. Se as pessoas trans se sentem desconfortáveis com o termo leite materno, devemos sim repensar o seu uso para proporcionar um atendimento mais humanizado", esclareceu Luana.
Segundo outro trecho da cartilha do hospital do Reino Unido, a equipe reconhece que atualmente há um essencialismo biológico e transfobia presentes nos discursos do parto.
"Nós nos esforçamos para proteger nossos pacientes trans e não binários de perseguições por causa de terminologias, reconhecendo o impacto significativo que isso pode ter no bem-estar psicológico e emocional [deles]".
SESA
A Secretaria de Estado da Saúde do Espírito Santo (Sesa) foi procurada para abordar sobre o assunto, mas até o fechamento desta reportagem ainda não respondeu. Essa matéria será atualizada assim que a secretaria retornar.
Análise
"Mudanças corajosas"
A coordenadora de Ações e Projetos do Grupo Orgulho, Liberdade e Dignidade (Gold), Deborah Sabara, lembrou de outros termos que foram alterados a fim de promover a inclusão de gêneros distintos.
"Todas as palavras que são usadas para respeitar o gêneros, as pessoas trans, devem ser utilizadas. Exemplo disso é como passou a ser chamado o preservativo. O que se conhece é 'preservativo masculino' e 'preservativo feminino'. No entanto, passou a se utilizar os termos 'preservativo vaginal' e 'peniano'. E agora, criaram uma nova estratégia de inclusão que são os termos 'preservativo interno' e 'preservativo externo'. Isso aconteceu também nas escolas ao alterar o termo 'reuniões de pais'. Depois de debates, passou a se chamar 'reunião de responsáveis'. Porque não é só o pai ou só a mãe. O responsável pode ser o irmão, a irmã, tio, tia, avó, avô. Então isso também foi discutido e alterado nas escolas. Agora, chegou o momento de trocar os termos na hora do nascimento da criança respeitando as questões da identidade dos pais. Acho que é suma importância essa discussão e que a gente faça isso como um processo educacional para que todas essas terminologias, que são muito novas, cheguem com cuidado à sociedade", explicou.
"Estamos em 2021 e muita gente ainda tem dúvidas sobre as letras LGBTI+. Têm pessoas que falam GBT ou GLS então, é preciso que a gente como ativista, explique e oriente que as letras LGBTI+ abre um leque para as outras diversidades que querem se posicionar, que desejam dizer que elas existem também. Eu acredito que é preciso ensinar e orientar todos os dias esses novos termos. Quando temos essas mudanças corajosas em outros países, a gente precisa ir implementando aqui também para que, o próprio movimento entenda a necessidade de dialogar sobre termos, completou Deborah.
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