Cirurgias no cérebro reduzem efeitos do Parkinson em pacientes no ES
Procedimento feito no cérebro tem como objetivo melhorar a qualidade de vida através do controle do tremor e da lentidão
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Segunda doença neurodegenerativa mais comum no mundo, o Parkinson causa tremores involuntários e se manifesta em outros sintomas. Receber o diagnóstico não é nada fácil, mas cirurgias no cérebro trazem esperança a pacientes no Estado.
O procedimento, realizado em mais de 100 pessoas no Espírito Santo, tem reduzido os efeitos da doença.
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O neurocirurgião Walter Fagundes conta que no Estado o tratamento cirúrgico da doença começou em 2003. “Em 2005, fizemos a primeira cirurgia aqui de DBS (deep brain stimulation), ou estimulação cerebral profunda”.
Ele diz que todos os pacientes operados tiveram melhora quanto aos sintomas motores da doença, sendo que muitos tiveram resultados espetaculares e outros, pouca melhora.
“O objetivo da cirurgia é a melhora da qualidade de vida através do controle do tremor, da melhora da lentidão de movimentos e da rigidez, o que acaba melhorando a realização de tarefas, a articulação da fala e do caminhar”.
Ele frisou que a cirurgia não tem objetivo de curar a doença, mas sim de controlar os sintomas motores e melhora da qualidade de vida. “Na maioria dos pacientes conseguimos reduzir a quantidade de medicações após a cirurgia, mas o paciente vai sempre precisar de medicação, já que a doença tem outros sintomas não motores que a cirurgia não melhora”.
O neurocirurgião especializado em cirurgia dos transtornos do movimento André Bortolon Bissoli ressaltou, ainda, que apesar da cirurgia ser consolidada hoje como opção de tratamento, ela tem critérios para indicação.
“O tratamento principal para o Parkinson ainda é com medicamentos, que são eficazes principalmente nas fases iniciais. Já a cirurgia é indicada a pacientes com mais de quatro anos do diagnóstico, em que se excluem outras doenças. O paciente também deve ter bom perfil neuropsicológico, sem outro distúrbio psiquiátrico, quadro de demência avançada.”
Ele reforçou que, quando bem indicada, a cirurgia pode provocar melhoria significativa para o paciente e para sua autonomia e bem-estar.
Onesvaldo de Souza - “Nunca desistam de lutar. Eu nasci de novo”
Dia 28 de novembro de 2019. Essa data foi a escolhida pelo engenheiro civil aposentado Onesvaldo Antônio Kroeff de Souza, 68 anos, para comemorar o seu aniversário. Motivo ele tem de sobra, como descreve: foi nesse dia que nasceu de novo.
Ao receber o diagnóstico de Parkinson, aos 60 anos, achou que era a sua sentença de morte. Há pouco mais de três anos, fez a cirurgia no cérebro e conta o que mudou.
A Tribuna - Quando começou a sentir sintomas da doença?
Onesvaldo Antônio Kroeff de Souza - Eu sempre andei muito rápido e aos 60 anos comecei a tropeçar e cair, idade em que recebi o diagnóstico de Parkinson.
Antes disso, a partir de 55 anos, percebi um tremor na mão esquerda. O tempo foi passando até que tive dificuldades de me vestir, de fazer barba, escovar o dente.
Como foi receber o diagnóstico da doença?
Pensei: é a morte. Foram dias difíceis, até que a minha esposa, Rosângela Bosi, encontrou uma esperança, com indicações que nos levaram ao médico que fez a minha cirurgia pelo plano de saúde.
Como foi a cirurgia?
Foram nove horas de cirurgia, a maioria do tempo acordado, sem dor. No outro dia, fui para o quarto e, no terceiro dia, recebi alta.
Quem é o Onesvaldo depois da cirurgia?
Tudo mudou após um ano. Voltei a ter vida, a ser o que eu era. Eu voltei a dirigir, pegar peso, me vestir, fazer a barba, não tenho mais tremor nas mãos. A única dificuldade que ainda tenho é a escrita.
Qual a mensagem que deixa a quem enfrenta essa doença?
Que não tenha medo. O mais importante é nunca desistir de lutar pela vida, colocando Deus acima de tudo. A minha data de nascimento é 7 de janeiro, mas passei a comemorar o meu aniversário no dia 28 de novembro, quando fiz a cirurgia e nasci de novo.
Como é a cirurgia
1 - Paciente chega ao hospital com um exame de ressonância prévio. É submetido à fixação de um aro no crânio e realizada uma tomografia do crânio. Em seguida, é feita uma fusão de imagens e definidas as coordenadas dos núcleos (áreas mais profundas do cérebro), onde serão implantados os eletrodos.
2 - Já no centro cirúrgico, com anestesia local e sedação, são realizadas duas pequenas perfurações no crânio para introdução de eletrodos para identificação neurofisiológica dos núcleos. Os eletrodos devem ser.
3 - Certos da boa posição dos eletrodos, é feita a estimulação para ver a resposta, quando a melhora dos sintomas é satisfatória, e se existe algum efeito indesejado. Na sequência, é fixado o componente e conferido com raios x se eles estão bem posicionados.
Ao final, é realizado o implante do marca-passo no peito (região abaixo da clavícula), sob anestesia geral. Ainda que seja um procedimento de alta complexidade, habitualmente o paciente interna no dia da cirurgia e vai embora no dia seguinte.
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A doença
O Parkinson é uma doença neurológica que afeta os movimentos da pessoa. No Estado, cerca de 5 mil enfrentam o problema.
Não é uma doença fatal, nem contagiosa, não afeta a memória ou a capacidade intelectual do paciente.
Apesar de incurável, há tratamento para reduzir a velocidade da progressão da doença.
Causas
Sua causa ainda é desconhecida, mas a doença progride devido à degeneração das células que produzem uma substância chamada dopamina. Ela conduz as correntes nervosas (neurotransmissores) ao corpo.
A diminuição da dopamina afeta movimentos do paciente. A maioria tem os primeiros sintomas após os 50 anos.
Sintomas
Tremor (mais comum nas mãos).
Rigidez de músculos.
Movimentos lentos.
Postura curvada.
Desequilíbrio.
Congelamento (súbito bloqueio para iniciar movimentos).
Indicações
A cirurgia é indicada principalmente para casos de Parkinson, Distonia e Tremores Essenciais.
No entanto, pacientes com outras condições podem se beneficiar, como com epilepsia, dor crônica e Transtorno Obsessivo Compulsivo.
Tecnologias para ajudar pacientes
A batalha contra a doença de Parkinson ainda deve ganhar tecnologias mais modernas e novos medicamentos.
O neurocirurgião especializado em cirurgia dos transtornos do movimento André Bortolon Bissoli citou que nos últimos anos a cirurgia de estimulação cerebral profunda evoluiu e novas tecnologias estão em desenvolvimento.
“Entre os equipamentos aguardados temos aparelhos melhores para serem usados nas cirurgias. Há aqueles que funcionam sob demanda, ou seja, eles medem a atividade cerebral anormal do paciente e, com isso, mudam o estímulo de forma automatizada.”
Ele citou, ainda, que há o desenvolvimento de aparelhos ligados a osciladores em relógios “inteligentes”, capazes também de mudar o funcionamento do estímulo.
“Além disso, temos novos medicamentos surgindo e testes novos com estimulação de outros lugares, como da medula.”
Ele reforçou que hoje os tratamentos já permitem retardar a evolução da doença e o paciente consegue conviver bem por muitos anos com o Parkinson.
Nos exemplos citados pelo neurocirurgião Walter Fagundes, ainda em desenvolvimento nos Estados Unidos, estão marca-passos muito pequenos que poderão ser implantados no crânio.
Além disso, ele cita eletrodos inteligentes que passarão a avaliar a alteração do neurônio, sendo ativado quando for necessário.
“A vantagem é que você não tem a necessidade de fazer a tunelização (com agulhas). A gente passa o cabo que faz a conexão da ponta do eletrodo com o marco-passo debaixo da pele”.
Segundo ele, nesse caso, o eletrodo poderá ser conectado em um marca-passo pequeno e até ficar debaixo do couro cabeludo, na parte de trás da cabeça.
“Com isso, diminui trajeto, índice de infecção, além de reduzir o risco de quebrar esse eletrodo”, explicou Walter Fagundes.
Voltando ao tempo, mais precisamente em duas décadas fazendo essa cirurgia, ele observa um avanço na técnica e nos materiais que, de acordo com ele, têm proporcionado melhores resultados.
“Vão desde exames de ressonância de melhor qualidade, eletrodos que permitem programações mais amplas, eletrodos que só são ativados quando necessário e programações que podem ser feitas com o paciente em casa”.
Bactéria aquática por trás da doença
A doença de Parkinson é causada pela morte de células do cérebro numa região responsável pela produção de dopamina, um neurotransmissor que atua na comunicação entre neurônios.
Sabe-se que essa degeneração pode ser consequente de um acúmulo de proteínas no órgão, porém cientistas buscam identificar quais são os fatores que levam a essa falha. Isso porque é pequeno o percentual dos casos que são associados à genética.
Diversos trabalhos recentes têm encontrado ligações entre alterações na microbiota, população de microrganismos que vivem no intestino, e o diagnóstico.
Agora, um novo estudo, publicado na revista científica Frontiers in Cellular and Infection Microbiology, defende que determinadas cepas da Desulfovibrio (DSV), uma bactéria encontrada em ambientes aquáticos com altos níveis de material orgânico, podem estar envolvidas nos mecanismos que causam a doença.
Os cientistas das universidades de Helsinque e do Leste da Finlândia, responsáveis pela pesquisa, identificaram uma possível relação com a bactéria ainda em 2021, mostrando que não apenas o microrganismo era mais prevalente em pacientes com Parkinson como influenciava a gravidade, dependendo da concentração.
Embora seja um estudo pequeno, os resultados iniciais indicam que cepas da bactéria Desulfovibrio podem ser um gatilho para a formação das placas da proteína.
A neurologista e professora da Multivix Soo Yang Lee afirmou que o estudo é importante, pois a partir disso podem ser desenvolvidos medicamentos para combater essa bactéria.
“Eles compararam fezes de pacientes com Parkinson e com seus cônjuges. Eles viram que os pacientes com Parkinson a maioria apresentava a bactéria e os cônjuges, não. Isso explicaria por que os pacientes iniciariam os sintomas por meio de uma disfunção intestinal”.
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