Casais na Justiça depois de “inseminação alternativa”
Método para realizar o sonho de ter filho sem o alto custo do tratamento médico traz discussões sobre saúde, registros e direitos parentais
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Se de um lado avançam tratamentos e técnicas de reprodução humana – como a inseminação artificial–, de forma paralela muitos casais continuam recorrendo a inseminações caseiras.
Mas, além de reflexos na saúde, têm chegado à Justiça discussões desde o registro, até direitos parentais relacionados à prática.
A inseminação caseira ou inseminação alternativa não é algo novo, mas tem sido usada por casais inférteis ou homoafetivos para conseguirem realizar o sonho de ter um filho sem o alto custo do tratamento médico. A inseminação artificial custa cerca de R$ 20 mil.
A vice-presidente da Comissão de Direito de Família da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Espírito Santo (OAB-ES), Ana Paula Morbeck, explicou que a inseminação caseira não é amparada por legislação no Brasil, mas não há regra que proíba a prática.
“Acordos são feitos em conversas informais ou, em alguns casos, pela assinatura de termos de compromisso em papel, sem uma segurança jurídica”.
Entre os casos que ela já acompanhou está o de um casal homossexual e uma amiga, que combinaram para ter um filho. “Foi feita a inseminação caseira, mas depois a mãe não concordou com o registro com dois pais. Foi necessário ingressar com ações para regulamentar guarda, pensão alimentícia e reconhecimento de um dos pais”.
Advogado especialista em Direito das Famílias e Sucessões, Alexandre Dalla Bernardina apontou dificuldades no reconhecimento de direitos e deveres, sobretudo quanto à filiação da criança, que já são enfrentados pelo Judiciário.
“Ao contrário dos métodos de reprodução assistida regulamentados pelo Conselho Federal de Medicina, a inseminação caseira acarreta risco jurídico para o doador e o casal que utiliza o método. O doador do sêmen pode reivindicar a paternidade”, afirmou.
Por outro lado, ele aponta que o doador também poderá ser acionado judicialmente para cumprimento de deveres paternos, tais como pensão alimentícia.
A médica especialista em Fertilidade e Reprodução Letícia Motta Piccolo destacou que, apesar das questões jurídicas e de saúde, é preciso considerar o que tem levado mulheres a buscarem a inseminação caseira. “Será que os tratamentos não estão caros demais? Certamente quem busca a técnica preferiria o tratamento médico, mas não tem condição”.
Letícia disse que está iniciando um projeto que tem, entre os objetivos, tornar mais acessível a assistência para quem busca ter filhos. “Um dos riscos, por exemplo, de quem faz a técnica caseira é a transmissão de doenças. Não seria melhor ajudar no rastreio e na organização, sem custo absurdo?”.
Saiba mais
O que é inseminação caseira?
> A prática envolve basicamente a coleta do sêmen de um doador e sua inseminação imediata em uma mulher com uso de instrumentos como seringa, espéculos ou cateter, comprados em farmácias ou na internet.
> A prática é normalmente feita entre pessoas leigas e em ambientes domésticos e hotéis, ou seja, fora dos serviços de saúde e sem assistência de um profissional de saúde.
> Como são atividades realizadas fora de um serviço de saúde e o sêmen usado não é proveniente de um banco de espermas, as vigilâncias sanitárias e a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) não têm poder de fiscalização.
Quem faz?
> Geralmente a prática é procurada por mulheres solteiras, casais heterossexuais ou homoafetivos formados por mulheres, que buscam uma forma mais “barata” de ter um filho.
> Nesse caso, o sêmen utilizado pode ser doado por um amigo, parente ou desconhecido, que se oferece em sites ou redes sociais. Também pode ser obtido de forma ilegal, como em bancos de sêmen clandestinos ou em clínicas que vendem o material sem autorização.
Fonte: Pesquisa A Tribuna e Anvisa.
Busca por doadores de esperma em redes sociais
“Te ajudo a realizar o sonho da maternidade. Método Seringa. Contato somente via mensagem. Discrição total / Sigilo absoluto”.
É assim que um dos vários perfis em redes sociais descreve os “serviços” de doação de esperma.
As várias postagens que se seguem são das características pessoais, que vão desde doenças preexistentes, cor de cabelo, olhos, peso e pele, até mesmo sobre prática de esportes e de instrumentos musicais, preferências na alimentação, ranking de cores preferidas, signo, religião, entre outras.
Assim como esse perfil, outros também se acumulam pelas redes sociais e aplicativos de mensagem. No Facebook, por exemplo, há grupos de doadores que reúnem mais de 10 mil pessoas.
Algumas pessoas que “ofertam” os serviços na internet dizem ainda de onde são e se estão dispostas a viajar para outros locais para fazer o serviço.
Na inseminação caseira, o doador coloca o esperma em um pote de coleta de exame – para preservar o conteúdo – e o entrega à mulher, que precisa estar em período fértil.
Há locais na internet que vendem até mesmo kits, com materiais como testes para identificar a ovulação e seringas.
Os valores cobrados são informados apenas após conversas iniciais.
Especialistas alertam para o risco de doenças
Além de riscos jurídicos, a prática de inseminações caseiras também pode trazer riscos a mães e bebês, segundo médicos.
O especialista em reprodução humana assistida Carlyson Moschen explicou que, no caso do procedimento realizado pelos médicos, há uma avaliação masculina e feminina detalhada, com a indicação do melhor tratamento, exames de sorologias infectocontagiosas e estudo genético do casal.
“Se é feito de forma caseira, não se sabe, por exemplo, se as trompas são permeáveis”.
O médico reforçou ainda que outro ponto de atenção é que não se sabe se o sêmen usado tem os parâmetros normais para garantir um nível de gestação bom. “Quando é realizado pelo médico, fazemos exames para descartar, por exemplo, doenças como hepatite, Aids, sífilis e outras infecções”.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) também alertou para os riscos da inseminação caseira. Frisou que qualquer material biológico de terceiros requer avaliação.
Além disso, destacou que as triagens social, clínica e laboratorial do doador são necessárias para eliminar riscos de transmissão de doenças como HIV, Hepatites B e C, entre outras.
Outro ponto a ser considerado, segundo a Agência, é a exposição ao ambiente, já que na inseminação caseira o esperma fica em contato com o ambiente externo e com micro-organismos do ar.
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