“Arte me ajudou a enfrentar a dor”, diz aposentada que perdeu dois filhos
Carmelita Pereira da Luz, 75 anos, conta como superou a morte de dois filhos e a descoberta de tumores benignos no cérebro
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“A minha vida foi de muito sofrimento, mas hoje é só alegria. Vivo na humildade, mas com bastante amor no meu coração. Passei com gigante tristeza por momentos trágicos, como a perda de meus dois filhos e problemas de saúde, porém, estou bem hoje. Acho que a arte me ajudou a enfrentar a dor e sigo realizando sonhos antigos.
Morava em São Gabriel da Palha e me mudei para Vitória aos 20 anos, quando me casei. Foi um período complicado.
Mesmo naquele tempo, eu era trabalhada na alegria. Sempre fui muito alegre, feliz, animada. E, é claro, também sempre lutei pela minha família. Criei meus quatro filhos, Franklin, João Paulo, Wagner e Marcos Alberto fazendo faxina, trabalhando bastante. Com muito carinho, amor e cuidado.
Fui casada por 25 anos e depois pedi o divórcio. Assim, tive que cuidar sozinha dos meninos, sendo que dois deles eram menores de idade. Não foi fácil.
Perdas
Após dois anos, meu ex-marido faleceu. E depois de 15 dias, meu filho Marcos sofreu um acidente de carro em Santa Maria de Jetibá, não resistindo aos ferimentos. Vai fazer 26 anos que ele se foi. Eu fiquei sem chão.
Posteriormente, em 2000, o meu filho mais novo, Wagner, foi assassinado. Ele só tinha 21 anos na época. São coisas que falamos, mas não gostamos de falar. Sofri demais, foi muito terrível. Eu nunca os esquecerei. Nunca.
Após as minhas perdas, também tive outro momento complicado em minha vida: descobri tumores no cérebro.
Um médico tinha me falado que eu tinha labirintite, e fiquei por 20 anos tratando a doença. Eu me perdia na cidade e tinha bastante tontura. Teve uma vez, há uns 10 anos, que sofri um tombo na rua e voltei para casa machucada.
Até que, em 2015 para 2016, fui me consultar com um médico de clínica e ele falou: 'dona Carmelita, a senhora nunca teve labirintite. A senhora precisa consultar com um neurologista e vou pedir para fazer um raio X'. Nessa época, não consegui um médico e acabei passando mal sozinha dentro de casa.
Eu tenho uma lojinha, e no dia estava aberta. Já era mais de meia-noite, aí uma menina achou estranho tudo estar ligado, entrou e me acudiu. Ela falou que eu estava caída no chão.
Me levaram para o médico e lá descobri que tinha tumores benignos no cérebro. Fui muito bem tratada no Hospital Dório Silva, na Serra, e fiz cirurgia em dezembro de 2016. Meu filho ficou muito triste e cuidou bem demais de mim. Superei essa fase em nome do Senhor Jesus.
Eu sofria com bastante tontura, enjoo, tristeza, chorava demais, e depois da cirurgia, fiquei completamente curada. Nunca deixei de ter esperança.
Arte
É importante dizer que ao longo de grande parte da minha vida trabalhei com crochê, e essa arte sempre me fez feliz. Acredito que ela me ajudou a superar obstáculos, as minhas dores. Há 50 anos eu vendo peças e sigo me dedicando. Faço roupa, cropped, shorts, tapetes, panos de pratos e já fiz muitas bonecas também.
Aprendi artesanato com 7 para 8 anos, quando morava em São Gabriel da Palha. Todo ano minha avó e minha tia vinham passar tempo com a gente. Quando mamãe ganhava neném, então, minha tia fazia muito tricô, e aprendi com ela. Fiz muitos sapatinhos.
Com o passar do tempo, ainda morando em São Gabriel, aprendi a fazer crochê. E tem peças minhas até em Londres! Tenho uma boa freguesia e amo “crochetar”.
Além desse tipo de arte, com linhas e agulhas, decidi realizar uma vontade e me aventurar em aulas de teatro e de modelo no ano passado. Temos que nos aventurar! Superei as dores e o que tenho agora é motivação para meus sonhos. Em São Gabriel, eu fazia teatrinho de escola e falava para mim mesma: 'quando crescer, vou ser atriz!'.
Mas eu nunca tive a oportunidade, afinal, estava criando meus filhos e a dificuldade foi muito grande. Hoje isso se tornou possível e comecei a colocar em ação essa vontade de décadas. Já fiz minha primeira peça, algumas propagandas e estou esperando novos trabalhos.
Eu me senti muito bem no palco. Nós ensaiamos bastante, e é claro, fiquei nervosa nas primeiras semanas. Cheguei a falar com o professor, perguntando se eu conseguiria. Mas ele me tranquilizou dizendo que eu tinha talento para aquilo.
Nós apresentamos a peça no dia 17 de dezembro e eu interpretei o papel de uma tia. Foi uma ótima experiência! Naquele mesmo dia, um ator me chamou para participar de um filme curta-metragem que vai lançar em maio, e eu aceitei, para também fazer a personagem de tia.
Objetivos
Para o meu futuro, quero continuar fazendo e vendendo os meus crochês na minha loja, em Cariacica, e também participando de mais e mais peças teatrais.
Minha história pode ter tido momentos difíceis e tristes, mas sou uma pessoa muito feliz, independentemente. E quero ser mais ainda! Amo minha família, amo minha vida”.
Depoimento concedido à repórter Daniela Esperandio.
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