“Abandono de animais é um dos crimes mais tristes”, diz representante da OAB-ES
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A companhia dos animais ajudou a amenizar o isolamento social no período de restrições mais intensas da pandemia. Houve até quem adotou pets para enfrentar melhor a fase. Porém, muitos animais foram devolvidos ou abandonados.
Para a advogada e presidente da Comissão de Proteção e Defesa dos Animais da OAB-ES, Marcella Gava, é preciso entender que animais não são objetos. A decisão de acolhê-los na família deve ser feita com responsabilidade.
“É importante lutar pela causa porque os animais domésticos, em especial os cães, que são comumente abandonados, têm um amor incondicional pelos donos”.
A Tribuna – Pode-se dizer que, com a crise provocada pelo coronavírus, há uma “epidemia do abandono” de animais?
Marcella Gava – Não acho, sinceramente, que o número de abandonos aumentou por conta da pandemia. Acho que sempre houve abandono e, talvez, agora, com as mídias divulgando, os casos estejam “aparecendo” mais.
Há uma campanha nacional contra o abandono de animais e dezembro é o mês com maior número de abandonos por conta das festas de final de ano e das férias. Tanto que foi instituído o “Dezembro Verde” como o mês de combate ao abandono de animais e várias são as campanhas nesse sentido.
Quais as consequências do abandono?
Em minha opinião, o abandono é um dos crimes mais tristes praticados e de difícil elucidação, vez que normalmente os animais são abandonados em locais onde é praticamente impossível identificar o criminoso.
A consequência é o aumento da população de animais de rua, um claro problema principalmente de saúde pública.
Por que é importante lutar pela causa animal?
Os animais domésticos, em especial os cães, que são comumente abandonados, têm um amor incondicional pelos donos. A luta não se restringe ao abandono propriamente dito. Vai muito além.
É preciso que as pessoas tenham consciência de que adoção de qualquer animal precisa ser responsável. Ter um animalzinho em casa é dispendioso, dá trabalho, requer cuidado e atenção.
O adotante precisa ter a consciência da sua responsabilidade e das consequências dos seus atos, uma vez que abandonar um animal é crime de maus-tratos, com pena prevista de dois a cinco anos de reclusão.
Por que muitos animais ainda são vistos como objetos?
Acredito que seja uma questão cultural mesmo. O que é demasiadamente triste.
As leis de proteção aos animais, em especial a Lei 9.605/1998, alterada pela Lei nº 14.064/2020 (Lei Sansão), que aumentou a pena de maus-tratos, são um grande avanço para mudar essa cultura existente.
O recado é que uma grande parcela da população se importa. O fato de ter elevado a aplicação da pena de prisão, por exemplo, detém não apenas um caráter punitivo, mas, acima de tudo, educativo.
As pessoas têm de ter a consciência que animais não são coisas, e se você maltratar, ferir, não alimentar, abandoná-lo ou matá-lo, sofrerá as consequências legais de seus atos, o que já é um grande avanço para alterar essa “cultura” de que os mesmos são objetos.
O que fazer para mudar como a sociedade vê os animais?
Muita coisa pode ser feita. E muita coisa já vem sendo feita também.
A conscientização da população através de políticas públicas voltadas ao bem-estar animal, penas mais severas aos infratores, o trabalho da imprensa e das mídias de um modo geral são as medidas principais para mudar a maneira de a sociedade ver os animais.
Qual é o papel do poder público em sensibilizar a população quanto ao bem-estar animal?
Políticas públicas voltadas ao bem-estar desses animais em situação de vulnerabilidade, seja através de políticas de castração, vacinação dos animais errantes, bem como educação e conscientização das comunidades carentes sobre a importância da implementação dessas políticas públicas, e por que não, o patrocínio de feiras de adoção para que os animais abandonados possam ter um lar?
Quais leis de proteção aos animais existem no Brasil?
A defesa dos animais começa pela Constituição Federal, que trata do tema no capítulo destinado à preservação do meio ambiente.
Em seguida, no que se refere à legislação específica sobre o meio ambiente, existe a Lei 9.605/98, (Lei de Crimes Ambientais), que dispõe sobre a proibição de maus-tratos contra animais e as sanções previstas nesses casos (detenção, de três meses a um ano, e multa).
Os dispositivos acima prevalecem nos casos de maus-tratos contra animais, independentemente de os estados ou municípios terem suas leis específicas.
No Espírito Santo, podemos destacar as leis que instituem o Código Estadual de Proteção aos Animais; o pagamento de multa para os casos de crueldade contra animais; a Política Estadual de Proteção à Fauna Silvestre; que obriga a afixação de cartaz, contendo números de telefones para denúncias de maus-tratos contra animais, em clínicas veterinárias, pet shops e outros estabelecimentos que prestem serviços relacionados a animais domésticos; a proteção e apoio ao cão comunitário – animal que, sem responsável único e definido, estabelece com a comunidade onde vive laços de dependência e manutenção.
E ainda a lei que veda o uso de animais para desenvolvimento, experimentos e testes de produtos cosméticos, higiene pessoal, perfumes, limpeza e seus componentes. Além de algumas leis municipais do nosso Estado.
O que impede o Brasil avançar em direção a condições mais dignas para os bichinhos?
Acredito que o Brasil vem avançando e muito em direção a essas condições.
Hoje, há um número muito grande de pessoas que simpatizam com a causa animal e, portanto, possuem a consciência da importância da adoção responsável, do bem-estar social dos animais.
Mas acredito que é imprescindível que os governantes também abracem essa causa.
Prefeitos e governadores precisam contribuir para esse avanço, e certamente, se assim o fizerem, farão a diferença.
As leis têm um importante papel, e não posso aqui ser leviana e dizer que não existam leis fantásticas relacionadas à causa animal. Estamos avançando, e muito, na questão legislativa.
Perfil
Marcella Rios Gava Furlan
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Advogada, é formada em Direito pela Universidade Vila Velha.
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É especialista em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV).
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É presidente da Comissão de Proteção e Defesa dos Animais da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional Espírito Santo (OAB/ES).
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