SC pode acabar com cotas raciais nas universidades? O que a Justiça e os estudos dizem sobre o tema
Deputados estaduais de Santa Catarina aprovaram projeto de lei que extingue as cotas raciais em universidades públicas do Estado e em instituições de ensino superior que recebem recursos estaduais.
Caso o governador sancione a proposta, o Estado poderá se tornar o primeiro do País a proibir cotas raciais em universidades.
Mas a lei ainda pode ser alvo de ações de inconstitucionalidade, pois políticas de ação afirmativa são protegidas pela Constituição e pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF).
Na justificativa do texto, o deputado Alex Brasil, autor do projeto, argumentou que ações afirmativas devem priorizar critérios econômicos.
Entidades de ensino federais manifestaram repúdio ao Projeto de Lei nº 753/2025. UFSC, IFC, IFSC, UFFS informaram que a medida é um retrocesso, pois “pode ampliar desigualdades e limitar o acesso de grupos historicamente excluídos à universidade”, em nota compartilhada pelas entidades.
O que diz a legislação sobre cotas raciais
As cotas raciais e sociais são ações afirmativas que buscam corrigir desigualdades históricas para grupos discriminados como mulheres, negros, indígenas e pessoas de baixa renda. Na prática, elas reservam vagas para esses grupos historicamente pouco representados nos processos seletivos.
A Lei nº 12.711/2012, conhecida como Lei de Cotas, estabelece que 50% das vagas em universidades e institutos federais sejam reservadas para estudantes que tenham cursado todo o ensino médio em escolas públicas.
Dentro dessa reserva, metade das vagas é para estudantes com baixa renda, com subcotas para pretos, pardos e indígenas (PPI), proporcionais à população de cada Estado, de acordo com dados do IBGE). Esta lei continua em vigor como o principal fundamento legal para as cotas raciais no ingresso nas universidades federais.
O Supremo Tribunal Federal (STF) já reconheceu que é constitucional o uso de cotas raciais no ingresso em universidades públicas federais por meio da jurisprudência consolidada da chamada ADPF 186.
Nos Estados Unidos, o entendimento tem sido diferente. A Suprema Corte proíbe o uso da ação afirmativa desde 2023, o que vem revertendo a tendência de aumento da diversidade racial que havia começado na década de 1960.
Nos últimos meses, o governo Trump cobra das universidades a divulgação de dados ampliados sobre admissões para verificar se elas estão dando tratamento preferencial a candidatos com base na etnia.
O que dizem os estudos sobre as cotas raciais
Desde sua aprovação, em 2012, a Lei de Cotas foi responsável por uma mudança profunda na composição das universidades brasileiras.
Se até o final dos anos 1990 o ensino superior brasileiro era dominado por estudantes brancos e de classes médias e altas, hoje o cenário é outro. Em 2021, estudantes pretos, pardos e indígenas já representavam 52,4% dos matriculados nas universidades públicas, frente aos 31,5% em 2001.
No mesmo período, a presença de alunos das classes D e E também saltou de 20% para 52%, evidenciando a dimensão econômica da mudança.
Os dados constam na pesquisa do Consórcio de Acompanhamento das Ações Afirmativas (CAA), publicada no livro O Impacto das Cotas: Duas décadas de ação afirmativa no ensino superior brasileiro.
Na USP, do total de 58.752 estudantes, 29% são pretos, pardos e indígenas (PPI).
“A universidade, como espaço de produção do conhecimento, precisa contemplar todos os pontos de vista e visões de mundo da sociedade”, argumenta o professor José Vicente, reitor da Universidade Zumbi dos Palmares.
Alegação comum que permeou o debate em torno da lei era a de que os cotistas apresentariam um desempenho inferior ao não-cotistas e, portanto, haveria uma piora no nível das universidades. Vários estudos desmontam esse mito.
O artigo Ação afirmativa baseada na raça e no rendimento nas admissões ao ensino superior: lições da experiência brasileira analisou 53 pesquisas sobre o desempenho dos alunos cotistas no Brasil na última década.
As conclusões da pesquisa, publicada em 2023 no Journal Economic Surveys, traçam um caminho dos cotistas. Nos testes de entrada, eles apresentam notas menores que os não cotistas, principalmente nas áreas de Exatas e Tecnológicas. As diferenças são reduzidas ao longo da universidade.
Dados recentes das universidades federais, entre elas, UFSC, UFMG e UFRJ, reforçam a conclusão. A performance acadêmica, medida por notas semestrais globais, revela níveis equivalentes entre cotistas e não cotistas no decorrer do curso.
Comentários