Saiba quais são os 15 pontos que Castro terá que explicar a Moraes sobre a ação policial no Rio
BRASÍLIA - O governo do Rio de Janeiro, chefiado por Cláudio Castro (PL), está submetido desde junho de 2020 a regras definidas pelo Supremo Tribunal Federal numa ação sobre operações policiais em áreas de favela.
Ao longo dos últimos cinco anos, o STF expediu uma série de decisões exigindo que a gestão Castro se adeque a padrões de controle e responsabilização durante a realização de operações policias. Na mais recente decisão tomada pela Corte, em abril deste ano, foi determinado que o governo do Rio deveria seguir 15 regras para evitar exatamente ações violentas como a que resultou na maior carnificina cometida por agentes estatais no País.
O Estadão consultou especialistas em segurança pública se houve descumprimento da decisão do STF por parte do governo Castro, que apontaram ser necessário dados oficiais, presença na localidade e perícias independentes para atestar a violação da ação judicial que trata das favelas. Ainda assim, eles afirmam que a falta de transparência imediata da gestão estadual pode demonstrar irregularidades na operação.
“As exigências (do STF) são detalhadas e é preciso que haja uma análise com botas no chão, que seja efetiva no local, verificando a operação de forma presente para poder saber (se houve descumprimento). O STF precisa realizar uma análise com pessoas presentes na operação”, afirmou Rafael Alcadipani, especialista em segurança pública e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
A Defensoria Pública do Rio de Janeiro enviou ofício ao governo local solicitando informações sobre a operação para verificar, dentre outras informações, se foi realizada em conformidade com os parâmetro fixados pelo STF.
“Nada disso foi respondido, o que já é muita coisa e, em alguma medida, já é um descumprimento”, afirmou o defensor público Thales Treiger. Se não ficou claro, já indica, junto com o número absurdo de mortes, que alguma coisa não foi feita corretamente", completou.
O STF exige do governo do Rio o cumprimento de 15 medidas preventivas em todas as operações policiais realizadas no Estado com o objetivo de reduzir a letalidade policial. Uma das principais medidas proíbe que policiais e agentes de saúde retirem corpos da cena do crime sob o pretexto de prestar socorros médicos. Existem ainda outras exigências direcionadas a outros órgãos, como Ministério Público e governo federal.
“Os policiais que primeiro atenderem a ocorrência deverão preservar o local até a chegada do Delegado de Polícia, e providenciar para que não se alterem o estado e conservação das coisas para a realização de perícia, comunicando, imediatamente o órgão administrativo central competente”, determinou o STF.
Vídeos e fotos mostram policiais e profissionais de limpeza da empresa EcoRio Facilities empilhando corpos em um camburão após o fim da operação nos complexos da Penha e do Alemão. A exigência de inviolabilidade da cena do crime foi motivada após outros episódios de violência, como a chacina do Jacarezinho, em 2021, em que os agentes de segurança pública descaracterizaram o local dos assassinatos, o que dificultou a realização de perícia independente. Especialistas apontam que essas práticas ocorrem para ocultar rastros de execução.
A obrigação de preservar a cena do crime intacta está relacionada à exigência de que os órgãos de polícia técnico-científica do Estado do Rio de Janeiro documentem, “por meio de fotografias, as provas periciais produzidas em investigações de crimes contra a vida com o objetivo de assegurar a possibilidade de revisão independente”.
O ponto mais sensível da mais recente decisão do STF envolve a aplicação do uso da força. Os ministros decidiram que as polícias deveriam definiram por conta própria o grau de força adequado a cada contexto, “com controle a posteriori, observando a proporcionalidade das ações e preferencialmente com planejamento prévio das operações”. A exigência também se aplica para operações nas proximidade de escolas, creches, hospitais ou postos de saúde.
Esse ponto abre margem para que o governo do Rio alegue ter sido necessário matar as 119 pessoas vitimadas na operação diante do risco que representariam aos agentes de segurança pública. Os criminosos do Comando Vermelho (CV) estavam fortemente armadas e chegaram a utilizar drones-bomba contra os policiais. Contudo, a Organização das Nações Unidas (ONU) manifestou preocupação com a ação e apontou que “a alta letalidade associada ao policiamento no Brasil tem sido normalizada”.
As buscas domiciliares também estão submetidas a regras do STF. É obrigatório que esse tipo de ação só ocorra de manhã e sejam justificadas e detalhadas por meio da elaboração de auto circunstanciado. A única exceção é diante de “flagrância delitiva”.
Outra determinação do STF no âmbito da ADPF foi de que ambulâncias e profissionais da saúde acompanhem as operações para prestar os primeiros socorros tanto aos policiais quanto aos criminosos atingidos em confrontos. O governo do Rio não informou até o momento se foram deslocadas equipes do SAMU para a Penha e o Alemão.
Além disso, as viaturas das Polícias Civil e Militar deveriam estar equipadas com câmeras, o que não foi informado até o momento. A exigência também vale para os policiais civis.
Veja abaixo todas as exigências do STF ao governo do Rio de Janeiro
1 - Compartilhamento de dados com o MP
O STF determinou ao Estado do Rio de Janeiro que compartilhe e envie ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro os dados e microdados, com georreferenciamento, sobre operações policiais, registros de ocorrência, laudos periciais e demais informações sobre investigações penais.
2 - Preservação da cena do crime
Os policiais que primeiro atenderem a ocorrência deverão preservar o local até a chegada do Delegado de Polícia, e providenciar para que não se alterem o estado e conservação das coisas para a realização de perícia, comunicando, imediatamente o órgão administrativo central competente, que por sua vez, comunicará a ocorrência ao Comandante de Batalhão da área territorial e à Corregedoria da Polícia Militar – em se tratando de policial militar – ou ao Delegado de Polícia de sobreaviso pela Delegacia Geral de Polícia, a Corregedoria da Polícia Civil e à Superintendência da Polícia Técnico Científica – em se tratando de policial civil e civis.
Os cadáveres serão sempre fotografados na posição em que forem encontrados, bem como, na medida do possível, todas as lesões externas e vestígios deixados no local do crime
Para representar as lesões encontradas no cadáver, os peritos, quando possível, juntarão ao laudo do exame provas fotográficas, esquemas ou desenhos, devidamente rubricados. Nas hipóteses de morte decorrente de intervenção policial sempre será realizada a autópsia. Os laudos necessários deverão ser elaborados no prazo máximo de 10 (dez) dias
As Corregedorias da Polícia Civil e Militar deverão acompanhar as ocorrências que envolvam seus respectivos policiais, objetivando a coleta de dados e de informações visando instruir os respectivos procedimentos administrativos.
3 - Independência da perícia
O STF reafirmou a autonomia técnica, científica e funcional das perícias como condição essencial para que a investigação conduzida pelo Ministério Público possa ser levada a efeito
4 - Preservação da documentação das mortes
Os ministros determinaram aos órgãos de polícia técnico-científica do Estado do Rio de Janeiro que documentem, por meio de fotografias, as provas periciais produzidas em investigações de crimes contra a vida, notadamente o laudo de local de crime e o exame de necropsia, com o objetivo de assegurar a possibilidade de revisão independente, devendo os registros fotográficos, os croquis e os esquemas de lesão ser juntados aos autos bem como armazenados em sistema eletrônico de cópia de segurança para fins de backup.
5 - Relatório da operação logo após a conclusão
Foi determinado, acolhendo proposição do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, a obrigatoriedade de se elaborar, armazenar e disponibilizar relatórios detalhados ao fim de cada operação policial, conforme atos normativos e protocolos por tais órgãos elaborados.
6 - Uso proporcional da força perto de escola e creche
No caso da realização de operações policiais em perímetros nos quais estejam localizados escolas, creches, hospitais ou postos de saúde, sejam observadas as seguintes diretrizes:
(i) não há restrições territoriais por perímetro à ação policial, mas deve haver o respeito rigoroso às exigências de proporcionalidade no uso da força, especialmente no período de entrada e de saída dos estabelecimentos educacionais, devendo o respectivo comando justificar, posteriormente, em expediente próprio ou no bojo da investigação penal, as razões concretas que tornaram necessário o desenvolvimento das ações nos referidos horários;
(ii) em caso de extrema necessidade de utilização de equipamento educacional ou de saúde como base operacional das polícias civil e militar, será permitido o ingresso das forças policiais caso se verifique o uso dos estabelecimentos para prática de atividades criminosas, bem como o policiamento ostensivo regular e o tráfego de viaturas em vias próximas aos estabelecimentos citados.
7 - Proibição de agentes público alterarem cena do crime
Exige aos agentes de segurança e profissionais de saúde do Estado do Rio de Janeiro que preservem todos os vestígios de crimes cometidos em operações policiais, de modo a evitar a remoção indevida de cadáveres sob o pretexto de suposta prestação de socorro e o descarte de peças e objetos importantes para a investigação.
8 - Presença de ambulâncias
Determinou a regulamentação, em até 180 dias, da presença obrigatória de ambulâncias em operações policiais previamente planejadas e com risco de conflito armado, podendo os veículos permanecerem no local mais próximo possível em que seja viável a prestação do atendimento médico em segurança. A exigência não se aplica a operações policiais de emergência e a eventual indisponibilidade de ambulâncias não impede realização da operação policial.
9 - Busca domiciliar
No caso de buscas domiciliares por parte das forças de segurança do Estado do Rio de Janeiro, sejam observadas as seguintes diretrizes constitucionais, sob pena de responsabilidade:
(i) a diligência, no caso específico de cumprimento de mandado judicial, deve ser realizada somente durante o dia, vedando-se, neste caso, o ingresso forçado em domicílios à noite;
(ii) a diligência deve ser justificada e detalhada por meio da elaboração de auto circunstanciado, que deverá instruir eventual auto de prisão em flagrante ou de apreensão de adolescente por ato infracional e ser remetido ao juízo da audiência de custódia para viabilizar o controle judicial posterior;
(iii) a diligência deve ser realizada nos estritos limites dos fins a que se destinam, entretanto, reafirmando a validade constitucional de buscas domiciliares executadas no contexto de flagrância delitiva, inclusive no período noturno, na hipótese de utilização de residências para o depósito de drogas e armas clandestinas.
10 - Apoio psicossocial e afastamento de policiais
Obrigou o Estado do Rio de Janeiro a criar, no prazo de 180 dias, programa de assistência à saúde mental aos profissionais de segurança pública, estabelecendo como obrigatório o atendimento psicossocial quando houver envolvimento em incidente crítico e regulamentando a aferição da incidência de letalidade excessiva na atuação funcional, estabelecendo parâmetro a partir do qual profissional da área de saúde mental avaliará a necessidade de afastamento preventivo das atividades de policiamento ostensivo, ficando o retorno, nesse caso, a critério da corporação.
11 - Uso da força
Cabe às próprias forças de segurança avaliar e definir o grau de força adequado a cada contexto, com controle a posteriori, observando a proporcionalidade das ações e preferencialmente com planejamento prévio das operações. caberá a cada uma das forças policiais analisar e determinar o uso proporcional e necessário da força em cada operação.
12 - Plano de recuperação territorial
Determinou a elaboração de um plano de reocupação territorial de áreas sob domínio de organizações criminosas pelo Estado do Rio de Janeiro e pelos municípios interessados, observando os princípios do urbanismo social e com o escopo de viabilizar a presença do Poder Público de forma permanente.
13 - Instalação de Câmeras
O governo teve 180 dias para comprovar a implantação das câmeras nas viaturas policiais da Polícia Militar e da Polícia Civil, quando não estiver em atividades investigativas, e nas fardas ou uniformes dos agentes da Polícia Civil nas hipóteses pertinentes, com a publicação da respectiva regulamentação - abrangendo somente os casos em que a Polícia Civil do Estado realiza diligências ostensivas ou operações policiais planejadas, afastada a obrigatoriedade de uso de equipamentos de geolocalização e gravação audiovisual em atividades e diligências investigatórias desempenhadas pela Polícia Civil.
14 - Comunicação do Ministério Público
O Ministério Público estadual deverá ser imediatamente comunicado das ocorrências, para que, se entender cabível, determine o comparecimento de um Promotor de Justiça ao local dos fatos. Essa comunicação deverá ser regulamentada entre a Procuradoria Geral de Justiça e a Secretaria de Segurança Pública
O Delegado de Polícia responsável deverá dirigir-se, imediatamente ao local da ocorrência, apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais; colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias; e, desde logo, identificar e qualificar as testemunhas presenciais do fato.
15 - Adequação normativa e administrativa para mensuração de dados
Inclusão de novos indicadores que abarquem eventos de uso excessivo ou abusivo da força legal e eventos com vitimização de civis em contexto de confronto armado, com a participação de forças de segurança, mas com autoria indeterminada do disparo, ressalvado que este segundo indicador não compõe o conceito de letalidade policial
Publicização dos dados desagregados sobre as ocorrências com morte de civil, especificando: (i) Qual corporação (se polícia civil ou militar); (ii) Qual unidade ou batalhão; (iii) Se o agente envolvido estava em serviço; (iv) Se o fato ocorreu no contexto de operação policial.
Publicização dos dados desagregados sobre as ocorrências com morte de policial, especificando: (i) Qual corporação (se polícia civil ou militar); (ii) se a vítima estava em serviço; acrescidos da seguinte regulamentação, para o controle e fiscalização da letalidade policial e homicídios vitimando agentes de segurança público
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