Quanto o PCC e outras facções criminosas lucram com cigarro, ouro, bebidas e combustíveis?
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O crime organizado no Brasil já movimenta mais dinheiro com a venda irregular de combustível, ouro, cigarro e álcool do que com o tráfico de cocaína, segundo estudo divulgado em fevereiro pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Conforme o trabalho Rastreamento de Produtos e Enfrentamento ao Crime Organizado no Brasil, em 2022 organizações criminosas como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV) movimentaram R$ 146,8 bilhões com a comercialização de combustível, ouro, cigarros e bebida.
A movimentação financeira do tráfico de cocaína no mesmo período foi estimada em R$ 15 bilhões pelos pesquisadores.

Trata-se do primeiro estudo feito no Brasil a registrar o impacto do crime organizado na economia formal. Segundo o trabalho, as facções criminosas começaram a investir em produtos do mercado formal para lavar o dinheiro do tráfico de drogas, mas logo perceberam as vantagens financeiras e políticas de diversificar seus negócios.
O estudo analisou o impacto do crime na venda de combustível, ouro, cigarro e bebidas, mas há ao menos outras 18 atividades econômicas do mercado formal nas quais as facções têm grande protagonismo, caso do setor de transportes, do mercado imobiliário e da pesca.
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Entre os quatro mercados estudados, o que registra a maior movimentação financeira é o de combustíveis e lubrificantes, com total estimado de R$ 61,5 bilhões. O crime já está presente em praticamente todos os elos da cadeia: da produção ao posto de gasolina, passando por refino, transporte e logística.
Em segundo lugar na lista de atividades criminosas para áreas formais da economia aparece o setor de bebidas alcoólicas, com R$ 56,9 bilhões, seguido da extração e produção do ouro (R$ 18,2 bilhões), e do cigarro (R$ 10,3 bilhões).
O estudo mostra ainda que hoje a principal fonte de renda para o crime organizado são os crimes cibernéticos (golpes via internet) e o roubo de telefones celulares, com movimentação financeira estimada em R$ 186 bilhões. Ou seja, os ganhos com esses delitos também ultrapassam o da venda de drogas.
Segundo o promotor de Justiça Lincoln Gakiya, do Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público de São Paulo, o PCC, principal facção do País, se infiltrou em pelo menos 13 setores da economia para lavar dinheiro:
- Postos de gasolina
- Agências de automóveis
- Imóveis
- Empresas de construção
- Casas de câmbio no Paraguai
- Bancos digitais, fintechs e Fundos de Investimentos em Participações, além de criptomoedas
- Empresas de ônibus do setor de transporte público
- Igrejas
- Organizações sociais da saúde pública
- Coleta de lixo e limpeza urbana
- Mineração
- Empresas de apostas e de jogos de azar
- Empresas ligadas ao futebol
“O PCC hoje está na economia formal. As empresas que eles estão administrando não são mais empresas de fachada como uma década atrás”, disse Gakiya, durante palestra em São Paulo, em seminário promovido pela Cátedra Oswaldo Aranha, do Instituto da Escola de Segurança Multidimensional (ESEM), da USP.
“São empresas que existem, que estão prestando serviço, às vezes até bom serviço. Mescla-se nelas o dinheiro do tráfico de entorpecentes, do tráfico internacional, com o efetivo lucro que as empresas dão por ano”, continuou.
‘Em algumas regiões, o principal empregador é o crime’
“No México, o principal empregador é o crime organizado”, disse o presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, ao Estadão em fevereiro. “O Brasil ainda está longe disso, mas, em algumas regiões, como a Amazônia, isso já acontece.”
“Os mercados lícitos começaram a ser explorados inicialmente para lavar o dinheiro da droga, mas acabaram gerando receita tão grande que a droga deixou de ser o negócio mais rentável, ainda que não tenha deixado de ser o principal. O tráfico de drogas é fundamental porque permite manter o poder bélico e o controle territorial”, acrescentou.
Entre os prejuízos da infiltração das facções na economia, estão a evasão de impostos e a competição desleal com empresários regulares.
No Rio de Janeiro e no Ceará, há relatos de ataques a empresas de telefonia pelo Comando Vermelho, que tem interesse de cobrar “gatonet” de moradores de bairros periféricos.
Outro problema são os riscos de roubos, que elevam custos logísticos diante da necessidade de reforçar a segurança, por exemplo.
“Um sentimento de violência afasta investimentos. E tudo aquilo que afeta o direito de ir e vir do cidadão, quando as pessoas não conseguem ir à escola, afeta a qualidade da mão de obra, e o custo das empresas", alertou em entrevista ao Estadão no ano passado a executiva Maria Silvia Bastos Marques, com passagens pelo comando da Companhia Siderúrgica Nacional, BNDES e Goldman Sachs.
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