Projeto prevê tornar crime hediondo adulteração de bebidas e alimentos: qual será o impacto?
Um Projeto de Lei que prevê tornar crime hediondo a adulteração de alimentos e bebidas tramita no Congresso desde 2007 foi alçado à pauta de urgência Câmara dos Deputados após os crescentes casos de intoxicação por metanol no Brasil.
Nesta sexta-feira, 3, Bahia informou o registro da primeira morte suspeita de contaminação pela substância. As ocorrências começaram a surgir no Estado de São Paulo e já atingem outras regiões. Além da Bahia, há 53 casos em São Paulo, 6 em Pernambuco e 1 no Distrito Federal e no Paraná.
O que muda?
O crime hediondo é inafiançável e não pode ser objeto de anistia, graça ou indulto. A lei dos crimes hediondos eleva as penas, que podem chegar a 30 anos, e torna o regime de progressão penal mais lento. No PL que está na Câmara, a pena prevista é de 6 a 12 anos de reclusão e multa. Atualmente, a pena máxima para esse tipo de crime é de 8 anos.
Urgência após 18 anos
Na quinta, 2, o plenário da Câmara aprovou o regime de urgência da proposta - o que permite que seja votada diretamente no plenário, sem passar pelas Comissões, o que acelera a tramitação.
O projeto, de autoria do ex-deputado Otávio Leite (PSDB-RJ), foi apresentado em 2007. À época, uma fiscalização flagrou misturas de soda cáustica e água oxigenada no leite de uma cooperativa.
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Nesta sexta, 3, o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), afirmou que pretende pautar na próxima semana o projeto, mas que a votação dependerá da finalização do relatório.
“Queremos indicar o relator até o fim de semana. Ver se ele consegue produzir o relatório na próxima semana. Estando pronto, levo de imediato ao plenário. Nossa urgência nessa pauta é muito grande. Não vamos demorar”, declarou em entrevista à CNN.
Motta defendeu também uma fiscalização e uma punição mais dura para estabelecimentos que venderem produtos adulterados. “Queremos, no mais rápido período, de tempo dar uma resposta [...] Temos que avançar em punição séria aos bares que comercializam esse tipo de produto. Temos que avançar punindo não só quem comete a adulteração, mas quem comercializa. Não só com multas bastante severas, mas uma fiscalização mais forte”, falou.
Efeito mais simbólico que prático, apontam juristas
Para o advogado Enzo Fachini, mestre em direito penal econômico pela Fundação Getúlio Vargas, sempre que tragédias ocorrem por falhas na atuação dos órgãos de fiscalização, a reação dos parlamentos costuma ser o aumento de penas ou a transformação em crimes hediondos, mas o efeito é mais simbólico do que real, segundo ele.
“Ninguém deixa de delinquir porque a pena passou de ‘X’ para ‘X+4’. O que reduz de fato essas práticas é fiscalização eficiente e mecanismos modernos de investigação”, diz.
O criminalista Euro Bento Maciel Filho, mestre em direito penal pela PUC-SP, observa que a própria Lei dos Crimes Hediondos é exemplo da ineficácia do simples endurecimento penal, pois, mesmo tendo sido alterada muitas vezes, não trouxe impacto sensível nas estatísticas de crimes como latrocínio, estupro e tráficos de drogas equiparados a hediondos.
“No que diz respeito à adulteração de bebidas, é bom dizer que temos leis aptas a tratar do problema, haja vista a possibilidade se aplicar o dolo eventual naqueles que adulteram ou vendem, cientes da adulteração, para puni-los pelos resultados mais graves, como morte ou lesão corporal.”
Já Rafael Paiva, criminalista e mestre em direito penal e direito processual, acha que as duas questões – mais fiscalização e maior rigor penal – se complementam.
“Falta fiscalização, e isso é um fato, mas também entendo que a lei é bem pouco grave para quem pratica esse crime. As penas máximas chegam a 8 anos, podendo chegar a 16 anos em caso de morte. Mas como é um crime com potencial para vitimar muitas pessoas, é importante que a punição seja exemplar, razão pela qual eu apoio o projeto de lei”, diz.
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