Operação policial sangrenta no Rio expõe aposta de Castro no confronto e ADFP das Favelas esvaziada
A operação policial nos complexos do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro, que terminou com 121 mortos, evidencia a retomada da aposta nos confrontos pelas forças de segurança da gestão Claudio Castro (PL) Isso ocorre após um período de redução da letalidade policial, que caiu 61,5% entre 2019 e 2024.
O saldo da ação - a mais letal da história do Rio - põe também em xeque a eficácia da “ADPF das Favelas”, processo do Supremo Tribunal Federal (STF) que busca o controle das operações em comunidades e a redução da letalidade policial.
A megaoperação contra o Comando Vermelho (CV) foi classificada como “sucesso” por Claudio Castro, que defendeu a estratégia para fazer frente ao domínio do território pela facção.
Especialistas defendem a necessidade de frear as facções criminosas, mas viram “lambança operacional” e supostas ilegalidades na ofensiva das tropas. Ainda segundo eles, diante do poder bélico crescente dos bandidos, a estratégia põe em risco a vida de moradores e dos próprios policiais - quatro morreram nesta terça, um recorde em ações do tipo.
Procurado pela reportagem para comentar a recente alta de mortes pelas polícias, o governo do Rio não se manifestou.
A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635 foi movida pelo PSB e o Supremo determinou, em junho de 2020, uma série de pré-requisitos para incursões policiais em favelas, como compartilhar dados do Ministério Público, preservar a cena do crime e perícia independente. Parte das demandas feitas pela entidade, como o veto a helicópteros, não foi acatada pelo STF.
O número de mortes pelas polícias fluminenses recuou em 9,5% em 2024, o que é atribuído pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e mais especialistas à imposição de regras pela ADPF. Na comparação com 2019, a queda é ainda maior: de 1.814 para 699 (-61,5%).
“Quando a ADPF foi respeitada nas primeiras semanas de vigência, ela funcionou — poupando nove vidas por semana e reduzindo tiroteios em 23%“, diz Carlos Nhanga, coordenador regional do Instituto Fogo Cruzado.
Nesta quarta, Castro chamou a ADPF de “maldita” e disse que a restrição à entrada da polícia prejudicou o Rio e aumentou a quantidade de barricadas nas favelas. Apesar das críticas de Castro, os números mostram que as restrições impostas pelo Judiciário não impediram incursões da PM nas comunidades.
Desde junho de 2020, houve 1.750 mortos e 2.261 feridos em ações ou operações policiais na região metropolitana do Rio, conforme o Fogo Cruzado. E o número aumenta ano a ano: de 852 em 2021 para 1.966 no ano passado, aponta o Grupo de Estudos de Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni-UFF).
As outras duas ações policiais com mais óbitos na história do Rio também foram na gestão Castro: 23 mortos na Penha, em 2022, e 28 mortos no Jacarezinho, no ano anterior.
Segundo Carolina Grillo, professora do Geni-UFF, muitas vezes as regras foram ignoradas. Cerca de 40% das operações no período da ADPF, afirma ela, não eram comunicadas ao MP.
O formato da operação desta semana levou a Defensoria Pública Estadual e outras entidades a apontarem indícios de violação da ADPF na ofensiva contra o CV. Um dos principais sinais é a falta de preservação da cena do crime: dezenas de corpos foram deixados na mata e levados pelos próprios moradores para uma praça de um dos complexos.
“O grande objetivo da ADPF é uma preocupação com a reocupação do território. Reocupação com redução da letalidade policial. O que a operação demonstra? Que não se teve redução da letalidade policial. O que houve foi um verdadeiro extermínio”, disse Marcos Paulo Dutra, coordenador do Núcleo de Direitos Humanos e Coordenação Criminal da Defensoria.
Ao apresentar detalhes da ação nessa quarta, 29, o secretário da Polícia Militar do Rio, Marcelo de Menezes, destacou como diferencial o que foi classificado como “Muro do Bope”.
“Uma linha de contenção formada por policiais que empurravam os criminosos para o topo da montanha”, descreveu. A estratégia, acrescentou, tinha o objetivo de “proteger a população de bem que mora naquela região.” Ainda segundo ele, “a grande maioria dos confrontos, quase a totalidade, se deu na área de mata.
O procurador-geral de Justiça, Antonio José Campos Moreira, afirmou que o MP vai investigar a ação. O ministro do Supremo Alexandre de Moraes, hoje responsável pela ADPF das Favelas, cobrou explicações do governo do Rio.
Letalidade policial em alta
O Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) também identificou, com base em dados oficiais, elevação de 35% das mortes por intervenção policial de janeiro e abril deste ano no Estado. As regiões com maiores altas foram a capital (55,8%) e Baixada Fluminense (71,9%).
“Não se trata de casos isolados, mas de uma escolha política deliberada por uma política de segurança baseada no confronto, que fracassa em desarticular o crime organizado e deixa um rastro de mortes evitáveis”, diz Nhanga, do Fogo Cruzado.
Para especialistas, é preciso investir no uso da inteligência investigativa da polícia, no controle de fronteiras para coibir a entrada de drogas e armas e também na asfixia financeira das facções, de forma a obter resultados mais duradouros da guerra ao tráfico.
“A ausência de política consistente de desarticulação das organizações criminosas, a falta de mecanismos eficazes de controle sobre o uso excessivo da força policial e o relaxamento de limites jurídicos e políticos impostos à atuação das forças de segurança do estado indicam um possível retorno de padrões anteriores de violência”, diz o relatório do CESeC. / COLABOROU IGOR SOARES
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