Ondas de calor podem dobrar mortes de crianças, diz estudo
Análise prevê aumento de até 87% na mortalidade infantil ligada ao calor em cenários de altas emissões
O aumento das temperaturas pode levar a uma alta recorde de mortes de crianças menores de cinco anos no Brasil nas próximas décadas, mesmo com as projeções de redução da população infantil e da queda da mortalidade geral devido ao crescimento da expectativa de vida.
É o que revela uma nova análise feita por pesquisadores da LSHTM (London School of Hygiene & Tropical Medicine), em parceria com a Fiocruz Bahia e com apoio da Wellcome Trust.
Hoje, a taxa média de mortalidade infantil associada ao calor é de 1,07 por 100 mil crianças. No cenário de altas emissões de carbono (SSP5-8.5), com projeção de aumento de temperatura entre 4°C e 5°C, o crescimento de mortes infantis pode chegar a 87% em apenas uma década – a taxa passaria para 2 por 100 mil habitantes, praticamente o dobro.
Mesmo em cenários moderados, com emissões intermediárias de carbono (SSP2-4.5) e aumento de temperatura entre 2,5°C e 3°C, o número de mortes de crianças pode subir até 50%. A taxa de mortalidade chegaria a 1,47 por 100 mil.
Para a pesquisadora Enny Paixão Cruz, professora associada da LSHTM e pesquisadora da Fiocruz Bahia, os números mostram uma ameaça real e crescente. “Se nada for feito para mitigar o aquecimento global e o pior cenário se concretizar, teremos quase o dobro de óbitos em menores de cinco anos do que seria esperado caso a temperatura não aumentasse.”
As crianças são especialmente vulneráveis às altas temperaturas porque, entre outros motivos, perdem fluídos e eletrólitos mais rapidamente por meio da transpiração, tornando-as mais suscetíveis à desidratação.
Segundo o infectologista Victor Horácio de Souza Costa Júnior, os impactos das mudanças climáticas já são visíveis no cotidiano do serviço de saúde.
Há cinco anos, os atendimentos de bronquiolites e pneumonias, por exemplo, se concentravam entre abril e julho. Agora, ocorrem durante todo o ano.
“Estamos vendo aumento das doenças respiratórias por causa das variações extremas de temperatura, que reduzem o sistema imunológico da criança”.
Casas e creches adaptadas
Embora os cenários sejam alarmantes, os pesquisadores ressaltam que não são inevitáveis. A diferença entre um aumento de 50% e de 87% nas mortes infantis depende das escolhas políticas e econômicas dos próximos anos.
Para Márcia Kalvon, diretora executiva do Instituto Futuro é Infância Saudável (Infinis), o ponto central é reconhecer que o Brasil é profundamente desigual e que as crianças são afetadas de forma diferente dependendo do território.
Por isso, segundo ela, políticas precisam ser guiadas por dados e voltadas às infâncias mais vulneráveis. Casas, creches, unidades básicas de saúde e espaços de lazer devem ser adaptados para ondas de calor, enchentes e surtos de vetores.
Especialistas reforçam a necessidade de capacitar profissionais de saúde e fortalecer a atenção primária. Identificar precocemente desidratação, exaustão pelo calor e agravamento de doenças respiratórias será essencial.
Além disso, eles ressaltam que as escolas precisam ser mais ventiladas, praças e áreas verdes devem ser expandidas e políticas de redução de poluentes devem avançar.
De acordo com o estudo, medidas como o fortalecimento das políticas de mitigação climática, a ampliação de sistemas de alerta para ondas de calor e a adaptação das redes de saúde pública podem reduzir significativamente os riscos.
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