O que se sabe sobre o caso do jovem morto em ataque de leoa após invadir jaula de zoológico
O jovem Gerson de Melo Machado, de 19 anos, morreu na manhã do último domingo, 30 de novembro, após ser atacado por uma leoa no Parque Zoobotânico Arruda Câmara, conhecido como Bica, em João Pessoa (PB). A prefeitura da capital paraibana informou que ele escalou uma parede de seis metros de altura e grades de segurança, acessou uma árvore e invadiu o recinto dos leões.
Apelidado de “Vaqueirinho de Mangabeira”, bairro onde nasceu, o jovem era esquizofrênico e tinha sintomas psicóticos ativos, segundo laudos de perícias psiquiátricas determinadas pela Justiça. Um mês antes da morte, a Justiça havia determinado a internação do rapaz, que acumulou 16 passagens por crimes de furto e dano. Veja a seguir o que se sabe sobre o caso.
Como foram a invasão e o ataque
De acordo com a prefeitura, o jovem invadiu o parque “de maneira rápida e surpreendente”. “Embora as equipes de segurança tenham tentado impedir a ação, o homem agiu de forma rápida no acesso ao recinto e veio a óbito em decorrência dos ferimentos provocados pelo animal”, informou.
O comunicado explicou também que a perícia da Polícia da Civil indicou que o rapaz agiu em possível ato de suicídio. O caso está sendo investigado pela polícia e também internamente pela Secretaria de Meio Ambiente de João Pessoa.
Vídeos que circulam nas redes sociais mostram o momento em que Vaqueirinho entra no recinto da leoa pela parte lateral e desce pela árvore. Na sequência, ele é atacado pelo animal.
Quem era Vaqueirinho de Mangabeira
Vaqueirinho de Mangabeira era esquizofrênico e tinha sintomas psicóticos ativos atestados por laudos de perícias determinadas pela Justiça. A mãe e os avós do jovem também tiveram diagnósticos de esquizofrenia. O nome do pai não constava em seus documentos.
“Quando a gente foi levar o Vaqueirinho para a família, a avó disse que não tinha condições de ficar com ele. Ninguém da família queria. A avó não queria, o pai não queria, ninguém queria”, contou Edmilson Alves, o Selva, diretor da Penitenciária Desembargador Flósculo da Nóbrega (Presídio do Róger), em um vídeo publicado em suas redes sociais.
O jovem nasceu no bairro mais populoso da capital paraibana. De acordo com registros oficiais e pessoas que acompanharam a vida do garoto, entre idas e vindas, ele passou por diferentes tratamentos psiquiátricos ao menos dos 7 aos 18 anos. Também foi apreendido e viveu em espaços de ressocialização para adolescentes.
“Vaqueirinho tinha 16 passagens. Eram 10 no presídio de menores e seis no presídio de maior. Ele não conheceu outra vida senão a prisão”, explicou o diretor do Presídio do Róger.
Os delitos foram diversos. Na semana passada, ele foi preso duas vezes no intervalo de duas horas. Primeiro, tentou danificar dois caixas eletrônicos. Depois, arremessou um paralelepípedo e quebrou parte do vidro de uma viatura policial. No dia seguinte, terça-feira, 25 de novembro, ele havia voltado para as ruas.
Um mês antes da morte de Vaqueirinho, a Justiça havia determinado a internação dele. O juiz Rodrigo Marques Silva Lima, da 6ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça da Paraíba, indicou o Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico como local adequado para o tratamento “médico-psiquiátrico intensivo e supervisionado de que necessita”.
Em janeiro deste ano, o jovem tinha danificado o portão do Centro Educacional de Adolescentes (CEA), onde já ficou internado. Na ocasião, foi contido por policiais com spray de pimenta. Na decisão do caso, o juiz afirmou que “o laudo atestou, de forma cabal, que ao tempo da conduta, o réu era inteiramente incapaz de compreender o caráter criminoso de seu ato ou de se comportar de acordo com esse entendimento.”
Na semana passada, quando foi preso duas vezes e solto logo depois, a juíza Michelini de Oliveira Dantas Jatobá, da 1ª Vara Regional do Juízo de Garantias de João Pessoa, reconheceu as condições de Vaqueirinho e reforçou a necessidade de urgência no encaminhamento dele para tratamento psiquiátrico. Ela também requereu a viabilização da aposentadoria do jovem por incapacidade.
O que diz quem conhecia o jovem
“A gente sabia que era uma tragédia anunciada. Vaqueirinho sem o devido tratamento, na rua, está aí o resultado. Infelizmente, a gente via que o raciocínio dele era de uma criança de cinco anos”, afirmou Ivison Lira, chefe de disciplina do Presídio do Róger, que acompanhou o garoto.
Em um vídeo publicado em suas redes sociais, ele disse que a relação com Vaqueirinho se estabelecia à base de trocas para que o jovem não se rebelasse. “Tudo era condicionado à troca, com bombons ou algo do tipo, para ele não se rebelar”, disse. O chefe de disciplina e o diretor do presídio concordaram que o lugar de Vaqueirinho não era na prisão.
Dos 10 aos 18 anos, o jovem teve acompanhamento por parte do Conselho Tutelar de Mangabeira. Segundo a conselheira Verônica Silva de Oliveira, que também foi às redes sociais falar do caso, por muito tempo foram solicitados laudos psiquiátricos sobre Vaqueirinho, mas alegava-se somente problema comportamental.
“Era visível o transtorno mental. O Estado dizia que ele só tinha um problema comportamental. Será que alguém com problema comportamental entra na jaula do leão, joga paralelepípedo no carro da polícia? Não. Isso não é só um problema comportamental. Gerson precisava de tratamento, que não foi oferecido”, desabafou.
A conselheira disse nunca ter se calado “diante dos absurdos de violações de direitos” que o rapaz sofreu. “O meu sentimento hoje é de revolta”, afirmou. “Era para ele estar em tratamento e não estava. Ele não precisava estar atrás das grades, ele precisava de um tratamento psiquiátrico”, apontou. Em entrevista ao Metrópoles, ela contou que Vaqueirinho, que viveu em pobreza extrema, na infância tinha o sonho de ir à África para “domar leões”.
Janaia D’Emery, diretora do Caps Caminhar, de João Pessoa, contou que o jovem tinha muita dificuldade em aderir aos tratamentos. “A gente acredita que a falta dessa rede de apoio dificultava o seu tratamento. Então, não tinha adesão”, explicou. “Na semana passada, ele veio ao serviço, onde o acolhemos novamente e ofertamos o tratamento. Infelizmente, esse fato aconteceu no domingo. Na quinta foi o último dia que ele esteve aqui”, recordou-se.
O que aconteceu com a leoa
Segundo o Parque Arruda Câmara, a leoa, que se chama Leona, está bem e continuará recebendo todos os cuidados necessários. “Após o incidente, ela foi imediatamente avaliada pela equipe técnica e segue em observação e acompanhamento contínuo, já que passou por um nível elevado de estresse”, explicou em nota.
O parque destacou que “em nenhum momento foi considerada a possibilidade de eutanásia” do animal. “A Leona está saudável, não apresenta comportamento agressivo fora do contexto do ocorrido e não será sacrificada. O protocolo em situações como essa prevê exatamente o que está sendo feito: monitoramento, avaliação comportamental e cuidados especializados”, informou.
“A equipe da Bica, médicos veterinários, tratadores e técnicos está dedicada integralmente ao bem-estar da Leona, garantindo que ela fique bem, se estabilize emocionalmente e retome sua rotina com segurança”, afirmou o parque.
O que aconteceu com o parque
Assim que o ataque foi constatado, o parque foi imediatamente fechado “para os procedimentos de segurança e remoção do corpo”. Mais tarde, em outro comunicado, o parque informou que ficará fechado para visitação até a conclusão das investigações e dos procedimentos oficiais.
“Trata-se de um episódio extremamente triste para todos, e manifestamos nossa solidariedade e sentimentos à família e aos amigos do homem”, afirmou. “Reforçamos que o parque segue normas técnicas e padrões de segurança rigorosos, e estamos colaborando integralmente com todos os órgãos responsáveis para o esclarecimento dos fatos”.
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