Justiça proíbe percussão em bares de cidade na Bahia
A Justiça acatou no dia 20 uma ação do Ministério Público estadual contra o município e proibiu o uso de percussão em estabelecimentos abertos
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Na Bahia, estado símbolo do Carnaval acostumado a batuques, "só voz e violão" serão permitidos na cidade de Paulo Afonso (a 471 km de Salvador). A Justiça acatou no dia 20 uma ação do Ministério Público estadual contra o município e proibiu o uso de percussão em estabelecimentos abertos, como bares e restaurantes com área externa, onde em geral ficam os músicos.
A prefeitura pediu a suspensão da medida em caráter de urgência, o que foi negado. Músicos e donos de bares protestam, e organizam uma petição com 684 assinaturas contra o veto. A prefeitura já recorreu novamente da decisão.
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Na sentença, o juiz Cláudio Santos Pantoja Sobrinho, da 1ª Vara da Fazenda Pública, dá aval em bares da cidade para tocar apenas a voz e violão, sob pena de multa à prefeitura, a quem cabe fiscalização.
A decisão estabelece que sejam suspensas as autorizações de "uso de som para bandas e instrumentos de bateria e percussão em estabelecimentos abertos, revendo tais autorizações para apenas voz e violão, sob pena de multa em valor não inferior a R$ 5.000".
Logo após a decisão, o município removeu os alvarás que permitiam a contratação de bandas e a produção de ruídos até depois das 22h.
A ação, da promotora Daniele Cochrane Santiago Dantas Cordeiro, visa combater a poluição sonora. De acordo com o órgão, a medida está inserida "na proteção à saúde coletiva" e resultou de denúncias recebidas -225 queixas entre 2017 e 2022 no órgão.
A Promotoria, na ação, citou também dados da Polícia Militar, de que 80% das denúncias recebidas eram sobre poluição sonora.
O órgão afirma ainda que tentou "soluções conciliatórias", mas que a Prefeitura de Paulo Afonso passou a conceder, "de forma indistinta", autorizações individuais "para produção de ruído".
No caso, alvarás para shows que ultrapassavam o horário de 22h. Quanto ao uso de instrumentos de percussão, dizem ter verificado baterias como responsáveis notáveis por "grande incremento do barulho produzido".
Para o instrumentista Igor Gnomo, professor de música, a medida é "de uma bizarrice tremenda". Ele integra um grupo de 684 pessoas que assinaram uma petição contra a liminar.
Seu colega baterista, Filipe Urso, 37, conta que teve um prejuízo de R$ 1.500 até agora e pode perder 90% da renda mensal.
"Não é possível parar uma classe de trabalhadores assim. Tem uma família por trás de cada músico", diz Urso, que culpa a prefeitura pela falta de fiscalização dos estabelecimentos. "Não concordo com o som alto. Eu sou baterista, faço música, não barulho", afirma.
Na pedido à Justiça, a Promotoria argumenta que a medida extrema parte da omissão do município contra a poluição sonora.
A prefeitura recorreu da decisão. Em nota, o procurador do município, Igor Montalvão, afirma que a ordem restringe "a garantia fundamental da manifestação artística" e dificulta a subsistência dos músicos, "como se não bastassem os prejuízos já suportados pela categoria durante a lamentável pandemia [de Covid-19]".
VIOLÃO E KARAOKÊ
Com o veto desde o dia 20, bares e restaurantes de Paulo Afonso alvos das reclamações, situados principalmente em três avenidas boêmias, têm adaptado as apresentações ao violão e até a noites de karaokê, mas afirmam que a receita caiu desde a decisão.
O dono da Cervejaria Panka, Bruno Cardoso, 48, diz que precisou cancelar todas as atrações que já estavam programadas para os próximos meses.
"Uma cidade da Bahia [ter uma decisão como essa]! Você associa Bahia a percussão, música, alegria, e de repente associam esse tipo de perturbação [sonora] exatamente à percussão", diz Cardoso.
Para a microempreendedora Jéssica Simplício, 29, deveria haver uma alternativa em vez da proibição total. "Talvez se especificasse alguns dias da semana, ou até certo horário. Entendo que muita gente que não curte, talvez ache ruim. Mas também não pode atrapalhar o comércio", afirma.
Nas redes sociais da prefeitura, moradores criticaram o veto aos batuques. "A cidade já está decadente, não tem mais turismo, nada atrativo para o povo, ainda proibir de fazer 'festa', tirando o sustento dos músicos, só aqui em Paulo Afonso", diz Flávia Adalgisa.
O cantor e instrumentista Igor Gnomo conta que pediu ajuda à Fundação Cultural do Estado da Bahia (Funceb) para atuar contra a proibição.
Há, porém, quem concorde com a medida. "O direito ao sossego está previsto em lei, bem como, a obrigação dos órgãos municipais para garanti-lo através de fiscalização eficiente", disse, em redes sociais, a pastora da Comunidade das Nações Ana Paula Araújo. De acordo com ela, as "vítimas" do barulho viraram "vilãs" com a repercussão da liminar. "É fácil culpar alguém ou alguns que, investido de um direito, acione os órgãos competentes para que a lei seja cumprida."
Em audiência pública nesta quinta (13) na Câmara de Paulo Afonso, o presidente do Conselho de Turismo, o médico Juliano Medeiros, dono do hotel San Marino, que fica na área dos bares, defendeu a ação do Ministério Público diante da falta de fiscalização da prefeitura.
"A senhorinha idosa, o enfermo, as crianças autistas e as pessoas que assim como eu precisam descansar para trabalhar no dia seguinte, o que fariam? Aguentar caladas e sofrendo?" disse. O médico afirmou ainda que "[sente e vê] a aflição de centenas, talvez milhares de outros munícipes, que enfrentam a frequente poluição sonora e também sofrem no centro da cidade".
Procurada, a Secretaria da Cultura da Bahia (Secult-BA) informou que não vai se pronunciar, uma vez que a questão está no âmbito jurídico.
Paulo Afonso comporta usinas da Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf) no semiárido nordestino e atrai visitantes pelas cachoeiras e cânions. Guarda ainda curiosidades históricas, como a casa onde morou Maria Bonita e mais de cem sítios arqueológicos.
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