Conheça a 'grachorra': animal híbrido encontrado no Brasil
A grachorra nasceu do cruzamento entre uma graxaim e um cachorro de raça não definida
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Há dois anos, um animal muito parecido com uma raposa de pequeno porte foi atropelado em uma estrada vicinal do município de Vacaria, no Rio Grande do Sul. Resgatado com vida por uma patrulha ambiental, foi encaminhado ao setor de animais silvestres do Hospital Veterinário da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Conhecido popularmente no Sul do País como raposinha dos pampas, o animal não é exatamente uma raposa, embora seja bem parecido. Trata-se do graxaim-do-campo (Lycalopex gymnocercus), um pequeno canídeo carnívoro típico da América do Sul.
No entanto, logo que saiu da caixa de transporte, o bicho começou a latir. A pelagem também não parecia correta. Os graxains-do-campo costumam ter pelos de coloração bege e cinza. A fêmea atropelada tinha uma pelagem bem mais escura, praticamente preta.
"Ela foi levada para nós como um graxaim", contou o veterinário Marcelo Alievi, do setor de animais silvestres do Hospital Veterinário da UFRGS. "Mas, logo achamos que não era um graxaim, mas, sim, um cachorro. Enviamos ao setor de cães, mas ela acabou voltando pra gente. Era uma crise de identidade."
No setor de animais domésticos, o bicho se recusava a comer ração, mas se mostrou muito disposto a devorar pequenos roedores Além disso, não era dócil, era arisca. Foi enviado de volta à área de espécies silvestres.
Entrou em cena, então, o geneticista Thales Renato Ochotorena de Freitas, do Instituto de Biociências da UFRGS, com a missão de esclarecer o mistério: afinal, a fêmea era graxaim ou cachorra?
Os testes genéticos revelaram que, na verdade, era uma "grachorra", como acabou sendo batizada no laboratório, um animal híbrido. A mãe era uma graxaim, mas o pai era um cachorro de raça não definida.
Os graxains, como o nome indica, vivem no campo. Mas a grande maioria das fazendas tem cachorros, que costumam viver soltos. Ou seja, o encontro dos dois animais não seria difícil.
Do ponto de vista ecológico, a mistura não é positiva, uma vez que o graxaim é uma espécie silvestre local e o cachorro é uma espécie invasora. A hibridização é considerada uma ameaça à vida selvagem, com risco de possível alteração de espécies locais.
"É uma contaminação, pode estar acontecendo uma passagem de genes do cachorro doméstico para uma espécie selvagem", explicou Freitas. "Em termos de conservação não é bom, é uma espécie da fauna típica da região que está sendo alterada."
Enquanto o cachorro doméstico (Canis lúpus) tem 78 cromossomos, o graxaim-do-campo tem 74. A espécime no laboratório da UFRGS tinha 76 cromossomos - 39 vindos do cachorro e 37 do graxaim. O DNA mitocondrial, herdado exclusivamente da mãe, era similar ao dos graxaim-do-campo. Mas, o bicho revelava ainda trechos genéticos exclusivos dos cachorros.
Foi a primeira vez que um híbrido de cachorro e graxaim foi descrito no mundo, segundo os pesquisadores. Embora os dois animais pertençam à mesma família, os canídeos, eles sequer são do mesmo gênero, o que torna o cruzamento ainda mais surpreendente. O trabalho científico foi publicado no início de agosto na revista científica Animals.
"Existem animais híbridos da natureza, claro, mas não há registro de cachorro com graxaim", garantiu Alievi. "Temos cruzamentos parecidos, de outras espécies, mas este especificamente nunca tinha sido descrito por ninguém."
O geneticista concorda com o colega. "Os híbridos de cachorros domésticos com lobos, por exemplo, são mais comuns, mas ambos são do mesmo gênero, canis", lembrou Freitas. "No caso daqui, são gêneros diferentes, ou seja, filogeneticamente são animais muito diferentes."
Essa seria a primeira vez que um cachorro produz um híbrido com um animal de gênero diferente.
Recuperada das lesões do atropelamento, a "grachorra" foi castrada (não é indicada a reprodução de híbridos) e enviada ao Mantenedouro São Braz, um zoológico em Santa Maria. O animal morreu no início deste ano. As causas da morte não foram divulgadas.
"Como era uma híbrida, não podíamos soltar na natureza", justificou o veterinário Marcelo Alievi. "Achamos melhor encaminhar a um mantenedor de fauna."
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