Como segurança high-tech ajuda empresas a evitar prejuízos
Em um país onde perdas com violência representam 11% do PIB e as empresas gastam anualmente mais de R$ 170 bilhões para se proteger, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a segurança deixou de ser apenas necessidade operacional. No varejo e na indústria, cada vez mais a área é um pilar estratégico apoiado pela tecnologia.
Inovações como etiquetas de radiofrequência (RFID), inteligência artificial (IA) e reconhecimento facial são fundamentais para mitigar perdas, evitar fraudes e proteger colaboradores, clientes e ativos. O rastreamento digital por geolocalização é outro aliado importante da logística, que sofre com mais de 10 mil casos anuais de roubos de carga no País, segundo dados da Secretaria Nacional de Segurança Pública.
Responsável por processar mais de 1 milhão de pacotes por dia, a plataforma Loggi atende de grandes varejistas a pequenos lojistas, tendo a inovação como um pilar para sua proteção. “Adotamos abordagem multifacetada para prevenção de riscos, baseada em prevenção, monitoramento constante e sistemas antifraude”, explica Alexandre Felix, vice-presidente de Operações da empresa, nascida como startup em 2013.
Entre as soluções, destaque para o reconhecimento facial na retirada de pacotes, câmeras com análise inteligente e rastreamento em tempo real com uso de cercas digitais — tecnologia que alerta, por exemplo, se um veículo entra em área de risco.
A captação de conhecimento em diversas fontes permite que a empresa identifique padrões de comportamento potencialmente problemáticos.
Com crescimento de 38% nos últimos cinco anos, segundo a Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm), o e-commerce chama cada vez mais a atenção dos criminosos.
“Fraudes e furtos estão cada vez mais sofisticados, muitas vezes integrando componentes físicos e digitais”, diz Eduardo Rocha, sócio da área de compliance e investigações da consultoria Deloitte.
De etiquetas a câmeras corporais
Além de lidar com riscos logísticos, quem trabalha com o varejo físico tem o desafio de garantir segurança sem comprometer a experiência dos clientes. Com mais de mil lojas no País, de hipermercados a mercados de proximidade, o Grupo Carrefour tem investido na análise preditiva e na vigilância inteligente.

“Nas unidades físicas, utilizamos câmeras de monitoramento (CFTV) com acompanhamento em tempo real, sistemas analíticos, controle de acesso e sensores em pontos estratégicos”, explica Elizeu Lucena, diretor de Gestão de Riscos da companhia.
A varejista tem sido ainda pioneira na implementação de câmeras corporais nas forças de segurança direta e terceirizada – medida tomada após casos de racismo serem registrados na rede.
Segundo o Carrefour, mais de 4 mil câmeras corporais já foram instaladas, com uma redução de 30% nos relatos de incidentes. Além disso, a companhia também criou uma cartilha para auxiliar outras companhias nessa adoção.
“Nosso objetivo é difundir conhecimento para colaborar com a sociedade, para a segurança e o respeito entre todos. Trabalho, treinamento, planejamento, e o uso de ferramentas como a câmera corporal são importantes medidas nesse caminho”, diz Lucena.
Outra tecnologia cada vez mais usada no combate a fraudes e furtos no varejo físico são etiquetas de identificação por radiofrequência (RFID, na sigla em inglês), capazes de rastrear produtos em tempo real.
Na Renner, por exemplo, 100% dos itens possuem têm essas etiquetas – mais de 500 milhões de produtos –, permitindo não só acionar alarmes antifurto, mas também contribuir para a produtividade das lojas, reduzindo a ruptura de estoque.
Drones e robôs
Enquanto câmeras inteligentes, etiquetas e rastreamento já fazem parte do presente, há mais por vir. Nos próximos anos, a expectativa é de que as soluções de segurança se tornem ainda mais integradas e automatizadas, com uso ampliado de IA, visão computacional e sensores inteligentes.
“A integração transforma a segurança de algo reativo para proativo, antecipando riscos e otimizando respostas com base em dados consistentes e conectados”, diz Leila Bergamasco, coordenadora do curso de Ciência da Computação da FEI.
Para ela, outro fator importante é a queda nos custos de equipamentos e o avanço das plataformas baseadas em nuvem. “As empresas não precisam mais manter infraestrutura local complexa, podendo contratar serviços integrados que oferecem câmeras inteligentes, armazenamento remoto e análise de dados com IA por valores compatíveis com seu porte e necessidade”, afirma.
Outras soluções já disponíveis, mas ainda em pequena escala, incluem drones e robôs de vigilância, capazes de fazer rondas autônomas e patrulhamentos aéreos em instalações físicas – e levando a mobilidade para dispositivos estáticos, como câmeras.
“Só uma câmera não é capaz de proteger, por exemplo, uma plataforma de petróleo, mas um drone pode ser um passo à frente”, exemplifica Rocha, da Deloitte, que também vê na IA a possibilidade de executar auditorias automatizadas, facilitando um trabalho antifraude que ainda é um bocado artesanal.
Essa sofisticação, porém, exige responsabilidade. O avanço tecnológico traz dilemas éticos e jurídicos, especialmente com o uso de reconhecimento facial, biometria e vigilância automatizada. “Isso pode gerar sensação de invasão e até discriminação, caso os sistemas apresentem vieses ou sejam usados de forma inadequada para monitorar certos grupos”, diz Bergamasco.
Para Rocha, da Deloitte, é essencial que as empresas tenham bases legais claras e transparência no uso de dados pessoais, além de mecanismos de governança capazes de auditar decisões tomadas por algoritmos. “A governança dos dados é parte da proteção à reputação da empresa”, resume.
É sempre necessário dizer que a tecnologia sozinha não resolve todos os problemas. O sucesso da segurança empresarial depende de pessoas bem treinadas, cultura organizacional forte e decisões estratégicas conscientes. “Segurança não é só uma questão técnica. É decisão estratégica que protege o negócio e os seus ativos”, diz o executivo da Deloitte. No fim das contas, o fator humano continua sendo o principal diferencial — tanto na prevenção quanto na construção de ambientes mais seguros.
Mercado Livre usa IA no combate à pirataria
Além de lidar com fraudes, furtos e roubos, o MercadoLivre lida com a pirataria – problema que, segundo o diretor jurídico Federico Deya, existe desde a criação do site, em 1999. Mas, nos últimos anos, a empresa está no contra-ataque. “Passamos de um modelo reativo para a atuação estratégica, com uso de inteligência artificial e colaboração com autoridades para identificar e coibir infratores”, diz o executivo.
Duas são as bases dessa estratégia. Um é o forte uso de tecnologia, com apoio da IA: diferentes modelos analisam imagens, textos (e até mesmo textos dentro de imagens) para detectar padrões suspeitos, normalmente utilizados por falsificadores – como “qualidade AAA” ou “cópia de”.
“Muitos ofensores também costumam borrar o logotipo das marcas para que não possamos ter certeza se há infração, então treinamos o modelo para isso”, diz Deya. Só no 2º semestre de 2024, mais de 5 milhões de anúncios foram removidos com a tecnologia.
Outro é uma aliança feita pela empresa com mais de 35 grandes marcas globais, como Apple, Microsoft, Adidas e Diageo – as organizações fornecem dados detalhados sobre seus produtos à varejista, que por sua vez turbina seus modelos de prevenção com essas informações. Dependendo da gravidade do caso, MercadoLivre e as marcas podem fazer até denúncias criminais. Segundo Deya, mais de 20 denúncias já foram feitas, resultando na apreensão de 25 toneladas de produtos falsificados.
Além de falsificações clássicas, a empresa atua contra o uso indevido de personagens, patentes, sementes e até denominações de origem – caso da Pedra São Tomé, de São Thomé das Letras (MG). “O combate à pirataria é global e exige parcerias com marcas e autoridades. Nossa mensagem é clara: quem tentar vender produtos ilegais será responsabilizado”, afirma Deya.
Comentários