Com previsão de mais chuvas, cidades do RS enfrentam pior enchente da história
Estado já soma 10 mortos e 21 desaparecidos
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Os moradores de São Sebastião do Caí, na região metropolitana de Porto Alegre, enfrentam a pior enchente da história da cidade. Na madrugada desta quarta-feira (1º), dia em que o município completa 147 anos de fundação, o nível do rio Caí atingiu 16,67 metros.
Assim como municípios da região central e dos vales do Jacuí, Taquari e rio Pardo, São Sebastião do Caí é uma das mais afetadas pelas chuvas entre as 107 que notificaram danos e ocorrências no Rio Grande do Sul desde a noite de segunda-feira (29). O estado já soma 10 mortos e 21 desaparecidos.
A água alagou a maior parte dos bairros, desalojou dezenas de moradores e invadiu muitas casas e prédios pela primeira vez. Os moradores levaram seus carros até a avenida Dr. Bruno Cassel, a mais alta e uma das principais da cidade e a mais alta, e transformaram a via em um estacionamento temporário.
Muitas pessoas ainda estão incomunicáveis, sem bateria nos celulares por causa da falta de energia em quase todos os pontos da cidade, e o sistema de bombeamento de água está alagado.
A previsão do tempo indica mais chuvas até esta sexta-feira (3), o que pode fazer com que o nível do rio, que havia baixado quase 50 centímetros desde a madrugada, possa voltar ou até ultrapassar a nova marca recorde.
A situação reavivou um trauma recente dos caienses: em novembro de 2023, o nível do rio atingiu 16 metros, inundou cerca de 80% da área urbana do município e mudou a percepção dos moradores sobre o quão vulneráveis estão contra a força das águas.
Até então, a referência de pior enchente era os 14,8 metros batidos em julho de 2011. Agora que essa marca se tornou a terceira maior, quase 1,9 metro menor do que o nível desta madrugada, a população teme o que pode acontecer.
"Eu perdi o que salvei da outra vez. E o que comprei de novo, perdi tudo", conta a corretora de imóveis Zoraia Câmara. Ela contratou um caminhão para esvaziar a casa, mas o transporte não apareceu e ela teve que deixar o local com a mãe idosa. Ambas estão a salvo na casa de familiares, mas com novo prejuízo material.
Agora, sua maior preocupação é garantir o resgate do filho, que está no telhado de casa de dois andares acompanhado da esposa e dos cachorros. "Ele fez a casa muito alta, a gente chamava de Arca de Noé porque sempre ele levava tudo lá para cima. Agora não deu", diz.
Para Zoraia, a situação extrema exige que a cidade inteira seja repensada. "Em área alagada o imóvel desvaloriza muito mais que a metade, e a gente não ganha uma linha de crédito para fazer um financiamento para levantar a casa", lamenta. "Os políticos têm que agir em relação a isso, ou então esta cidade vai morrer de vez."
Mas, no que depender da vontade própria, seu futuro será longe de São Sebastião do Caí. O motivo é o medo que as enchentes históricas se tornem recorrentes.
"Eu vou sair", diz Zoraia. "Agora eu vou ter que pagar aluguel, botar minha casa aqui fora. Em apenas cinco meses, não deu para me restabelecer".
Cidades banhadas pelo rio Caí sofrem com frequência maior de inundações
Além de ser a maior cheia da história, essa é também a quarta enchente que os moradores de cidades ao longo do rio enfrentam em menos de 12 meses, com incidentes menores em maio e junho do ano passado.
Em Harmonia, cidade vizinha a São Sebastião do Caí, a professora aposentada Dirce Keller pretendia ficar em casa para cuidar dos pertences quando a previsão era uma enchente de 14 metros, mas mudou de ideia quando os meteorologistas indicaram mais de 100mm de chuva.
"Levantamos todos móveis, coloquei roupas e eletrodomésticos sobre os aéreos e álbuns, e porta-retratos, livros e roupas de cama e cobertores colocamos no carro", diz.
Após deixar a mãe idosa alojada em um lugar seguro, ela, o marido e quatro cachorros foram até a propriedade rural do cunhado. Em questão de minutos, não havia mais passagem de carro para a cidade.
"A gente fica incrédulo de passar por tudo isso novamente. Foram mais de 40 dias lavando, limpando e organizando tudo, sem contar nos prejuízos materiais", conta Dirce.
"Mais difícil ainda é ver minha mãe de 81 anos passar por isso. Ela está morando no mesmo endereço há 65 anos e nunca havia passado por uma tragédia de tal proporção."
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