Aluno que esfaqueou professora tentou comprar arma para ataque, diz delegado
Ele também contou que treinava em casa um ataque a facas com a parte de uma tesoura e um travesseiro
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O adolescente de 13 anos que matou uma professora e feriu cinco pessoas em uma escola na Vila Sônia, na zona oeste de São Paulo, tentou comprar uma arma de fogo pela internet para usar no ataque, mas não conseguiu. Segundo a polícia, ele admitiu isso em depoimento ao delegado Marcus Vinicius Reis, titular do 34º DP (Vila Sônia), onde o caso é investigado.
Ele também contou que treinava em casa um ataque a facas com a parte de uma tesoura e um travesseiro.
A justificativa que o jovem deu para o ataque, segundo a polícia, foi o bullying que teria sofrido em diferentes escolas. Segundo o delegado, os colegas caçoavam da sua aparência franzina e do seu cabelo, por exemplo.
"Ele de fato tentou adquirir essa arma de fogo, fez algumas pesquisas via internet e não conseguiu de fato adquirir ou ter uma arma de fogo disponibilizada, o que certamente provocaria uma letalidade muito maior", disse Reis.
O jovem relatou ter sofrido bullying em três escolas diferentes. Além da escola estadual Thomazia Montoro, onde ocorreu o ataque, e na José Roberto Pacheco em Taboão da Serra (Grande SP), segundo a polícia o jovem também estudou na escola estadual Rodrigues Alves, na avenida Paulista, na região central de São Paulo.
Em um bilhete à família, ele dizia que planejava o atentado havia dois anos, desde que tinha 11. Além do bullying, falou em tristeza e ódio acumulados ao longo dos anos, que ele escondia da família.
A carta é endereçada à mãe, ao irmão, à tia e à avó. Não há menção ao pai, que estava na delegacia nesta terça (28) enquanto o adolescente prestava depoimento. Na mensagem, ele pede desculpas por decepcionar os parentes e diz que sente muito.
O Ministério Público pediu a internação provisória do adolescente à Justiça. O Geduc (Grupo de Atuação Especial de Educação) instaurou um procedimento para apurar aspectos do funcionamento da escola e as circunstâncias que possam ter contribuído para o "execrável desfecho violento".
A polícia foi novamente à escola na manhã desta terça com a intenção de analisar a cena do crime e conseguir mais imagens das câmeras de segurança.
A investigação ainda não tinha, por exemplo, vídeos do adolescente entrando na escola e do ataque à professora Jane Gasperini Apergis, que foi ferida.
A polícia investiga se colegas da mesma escola do agressor incentivaram ou tiveram alguma participação no crime. O delegado pediu a quebra de sigilo telemático do celular do adolescente para vasculhar suas conversas.
Essas informações e a atividade do agressor nas redes sociais devem ser as principais pistas que a investigação usará para determinar se houve ou não colaboração de outras pessoas.
O jovem havia sido transferido há cerca de um mês de volta à escola Thomazia Montoro, onde ele já tinha estudado em 2021.
Na escola pública em Taboão da Serra, ele havia ameaçado colegas e compartilhado imagens de armas e ataques a tiros no mês passado. Essas ameaças podem ser alvo de outro inquérito da Polícia Civil em Taboão.
Um dos dos alvos da conduta agressiva do estudante na antiga escola é um aluno de 12 anos. Ele conta que passou a receber ameaças de morte por mensagens de celular em fevereiro, após deixar de falar com o adolescente agressor.
Os dois estudavam juntos em Taboão e eram amigos. Costumavam jogar games online. Segundo o aluno de 12 anos relatou à Folha de S.Paulo, o autor do ataque disse que era satanista e que mataria o colega e a mãe do amigo. A partir daí, a amizade foi cortada, mas as ameaças continuaram.
A mãe do menino de 12 anos afirma que tomou conhecimento das mensagens no dia 7 de fevereiro. Cerca de uma semana depois, comunicou os fatos à direção da escola José Roberto Pacheco.
A Secretaria da Educação do Estado foi procurada por volta das 14h10, mas não respondeu até a publicação deste texto. No dia 28 de fevereiro, contudo, a escola registrou um boletim de ocorrência relatando o comportamento agressivo do aluno e suas ameaças.
A mãe do aluno de 12 anos afirmou também que, depois de relatar os fatos, foi informada pela direção da escola de Taboão que o adolescente seria encaminhado para atendimento no Caps (Centro de Atenção Psicossocial) e que os pais dele tinham sido avisados.
Logo depois, o adolescente de 13 anos foi transferido para a escola Thomazia Montoro, onde ocorreu o ataque nesta segunda.
Na rua onde mora, em um bairro da zona oeste paulistana, o autor dos ataques era pouco visto -apenas quando saía para a escola e voltava, segundo vizinhos.
Uma moradora que afirma ser amiga de infância do pai do adolescente relata que a mãe costumava levar o filho a pé para a escola. O menino, segundo seu relato, sempre descia a rua cabisbaixo, com um boné preto, alguns passos à frente da mãe, nunca ao lado. Isso chamava a atenção da vizinhança.
A rotina mudou neste mês, quando o estudante foi transferido de escola. Desde então, o itinerário até a escola Thomazia Montoro, palco do ataque, passou a ser feito de van escolar.
A professora Rita de Cássia Reis, 67, que foi ferida no braço durante o atentado, disse que o autor do ataque era muito quieto e sempre usava fone de ouvido na sala de aula. Ela disse que não sabia do histórico de ameaças do jovem, que era seu aluno.
Além de relatar que o aluno arranjava muita briga com colegas, a professora contou que os casos de bullying são frequentes na escola. Somente na semana anterior ao atentado, o estudante se envolveu em dois casos de agressão, segundo pais e alunos da unidade. Também houve um caso de bullying com alunos mais novos.
"Nós não estamos preparados para cuidar de alunos emocionalmente, psicologicamente", disse a professora. "Não é nossa formação. A gente não sabe como lidar com o aluno-problema."
O ATAQUE
Na manhã de segunda-feira (27), o estudante do oitavo ano do ensino fundamental matou a facadas a professora Elisabeth Tenreiro, 71.
Câmeras de segurança registraram o momento dos dois ataques. O adolescente usava uma máscara de caveira, entrou correndo na sala de aula e parte para cima da professora Elisabeth, que estava em pé.
A docente, que não percebeu a aproximação do aluno, foi atingida violentamente por diversos golpes nas costas e caiu no chão.
Em desespero, os alunos tentaram sair da sala, e alguns foram atacados pelo estudante.
Um segundo vídeo mostra o adolescente atingindo outra professora. Ele desfere vários golpes na mulher, que está em pé e tenta se proteger com os braços. Duas mulheres entram na sala, e uma delas consegue imobilizar o adolescente, enquanto a outra retira a faca das mãos dele.
O aluno agressor era novato na escola. Foi transferido para lá no início de março, após uma funcionária do colégio anterior registrar um boletim de ocorrência relatando comportamento agressivo do estudante, que vinha "postando vídeos comprometedores, por exemplo, portando uma arma de fogo e simulando ataques violentos".
Apesar desse histórico, o secretário estadual de Educação, Renato Feder afirma que a nova escola "foi pega desprevenida". "Nesse período de permanência, a diretora não recebeu nenhum aviso e nem [teve] ciência de nada que chamasse atenção", declarou.
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