Ajuda de amigos para recuperar santuário verde
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Plantador de água. É assim que o produtor rural Newton Campos, 62 anos, de Alegre, no Sul do Estado, gosta de ser lembrado, desde que transformou uma área, totalmente desmatada, em um santuário verde, repleto de água e árvores da Mata Atlântica.
O Sítio Jaqueira é referência no Caparaó em agroecologia. Só que um incêndio, no dia 11 de setembro de 2020, atingiu a propriedade, destruindo décadas de trabalho de reflorestamento.
Mas Newton não desanimou. Ele e um grupo de amigos organizaram uma vaquinha, levantaram recursos e por meio de mutirões retomaram o plantio das árvores e a recuperação da área danificada pelo fogo. Hoje, o verde volta a ocupar o vale de 300 mil metros quadrados.
O fogo chegou ao sítio por volta de 11 horas da manhã. Em pouco tempo a notícia se espalhou e várias pessoas apareceram para ajudar no combate ao incêndio. “Foi chegando muita gente, umas 20, 30 pessoas”, relembrou.
Entre os que atuaram no combate ao incêndio está o educador socioambiental, Geraldo José Alves Dutra, 52. Amigo de Newton, Gê, como é mais conhecido, ficou sabendo do incêndio enquanto participava de uma videoconferência.
“Quando cheguei, o fogo já tinha se espalhado e estava incontrolável, com chamas de três metros de altura. Fizemos o possível, abrimos aceiros, tentamos abafar os focos, mas o fogo foi gigante como nunca. Nossa preocupação foi evitar que as chamas atingissem as casas”, relembrou.
Newton lembra que com frequência há queimadas que chegam perto do sítio, mas normalmente não invadem a propriedade, com exceção de um incêndio em 2011, que também causou muito estrago.
Após o fogo, Newton se deparou com outro problema: como recuperar a área destruída? Foi aí que surgiu a ideia de fazer uma vaquinha online. “O dinheiro ajudou bastante. Compramos ferramentas e usei também para pagar os companheiros na roça”, relembrou o produtor.
Integrantes da Associação de Plantadores de Água (Plant’Água), grupo que Newton faz parte, atuou com vários mutirões, desde o dia do combate ao incêndio ao trabalho de recuperação da área no reflorestamento.
Uma das primeiras ações foi reinstalar os “caça-chuvas”, técnica em que o produtor estende uma lona no chão direcionando a água da chuva para uma caixa d’água. Com a água acumulada, ele rega as plantas.
Fogo destruiu 80% da propriedade rural
Bastaram poucos minutos para que 38 anos de dedicação se transformasse em cinzas. O incêndio destruiu 80% da propriedade de Newton Campos Mas a área conhecida como o coração do sítio, que fica no centro do vale, não foi atingida pelo incêndio, apesar do fogo ter chegado bem perto das casas.
Entre os estragos, o incêndio destruiu uma pequena floresta com 3 mil árvores reflorestadas, que já estavam com oito anos de plantio.
Agora, além de recuperar a área destruída, a maior preocupação de Newton Campos é preparar o terreno para combater futuros incêndios, já que queimadas são rotineiras na região no período de seca.
Ele e um grupo de amigos tem preparado aceiros, que são espaços sem vegetação, em pontos estratégicos do sítio que servirão tanto para evitar a propagação do fogo, como estradas de acesso aos locais onde estão os focos de incêndio.
“Nós precisamos combater o fogo com abafadores, para que as chamas não cheguem à mata. Sem o aceiro, temos que entrar no meio do matagal, e é mais difícil e perigoso”, explicou.
Enquanto isso, ele conta com ajuda de amigos na recuperação da mata. É um processo lento e trabalhoso. O mato, que já cresceu, vai sendo roçado e transformado em adubo para as mudas de árvores nativas e pés de bananeiras, que estão sendo plantadas aos poucos.
“Um dia você vai vir aqui e irá passar por um túnel de árvores, um túnel de oxigênio puro”, disse, esperançoso, o produtor rural.
Produtor transformou área degradada em manancial de água
Quando Newton Campos retornou a Alegre, em março de 1983, encontrou o sítio de seu pai totalmente degradado. Praticamente não havia água.
“Meu pai era muladeiro. Passava por uma situação difícil. Vimos eu, a mulher e dois filhos. Minha terceira filha nasceu aqui. Não foi fácil. Tive que brigar muito. As pessoas não entendiam. Me achavam maluco”, relembrou.
Newton cercou as nascentes para evitar que animais as danificassem, protegeu a vegetação nos morros, plantou árvores nativas e implantou técnicas para reter a água da chuva no solo. O resultado começou a aparecer com o tempo.
Hoje, o sítio é um manancial de água, com lagos cheios de peixes e muito verde. No local, ele implanta técnicas de permacultura, em que nada se perde. Capim e folhas se transformam em adubo, a chuva é retida em caixas d’água e ajudam a irrigar as plantas.
Até as casas de cupins são recolhidas e servem de alimento para as galinhas. “Não jogamos veneno aqui”, ressaltou. Da galinha, ele produz os ovos e recolhe o esterco, que alimenta as minhocas, que produzem o húmus que ele vende na feira.
A renda vem de várias fontes. Além do húmus, ele cultiva frutas e legumes, faz polpa de frutas, ovos e há alguns anos tem se dedicado ao cultivo e agroindústria de açaí. Tudo é vendido em feiras. Recentemente está se dedicando também ao artesanato, produzindo móveis a partir de bambus.
“O sítio é um espaço acolhedor, é uma referência de exemplo de boas práticas, de que é possível ter uma produção agrícola ética e sustentável”, disse o educador socioambiental, Geraldo José Alves Dutra, 52
“Fiquei triste e decidi ajudar”, disse presidente do Idaf
A destruição provocada na propriedade de Newton Campos comoveu lideranças, como o presidente do Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal (Idaf), Mário Louzada, que fez questão de ir até o sítio avaliar a situação.
“Soube no sábado à noite e no domingo pela manhã já estava lá. Fiquei muito triste. Anos de luta e só sobraram cinzas. Restou apenas um pequeno pedaço. Vi um homem fragilizado, emocionado. Contou a história para mim. Resolvi ajudar”, relembrou Mário.
Além de disponibilizar orientação técnica, Mário Louzada foi atrás de amigos e pediu doações para conseguir a cerca. “A preocupação de Newton é que a criação de gado dos vizinhos entrasse e acabasse com o pouco que sobrou”, explicou.
Newton acredita que se fosse comprar o material para a cerca iria gastar entre R$ 5 mil a R$ 6 mil. “Foi uma ajuda muito importante”, lembrou o produtor rural.
Mário disse que não conhecia Newton pessoalmente, mas sempre ouviu falar do sítio Jaqueira e do trabalho do produtor rural para preservar o local e retirar seu sustento de maneira autossustentável. “Senti-me muito mal, por umas duas semanas, como uma sensação de luto”, explicou.
Casal deixou cidade para viver no sítio
Vivendo em uma residência feita com técnica de construção autossustentável, dentro do Sítio Jaqueira, o casal de estudantes Vinicius Campos, de 26 anos, e Ana Lídia Chaves, de 27, também atuou no combate ao incêndio e vem ajudando no trabalho de recuperação da propriedade rural.
Os dois estavam em casa quando ocorreu o incêndio. “Era umas 11 horas, perto da hora do almoço, quando Newton chegou gritando. Corremos e vimos uma imensidão de fogo”, relembrou Vinícius.
Enquanto se preparava para atuar no combate ao incêndio, Ana Lídia espalhou a notícia do fogo nos grupos de whatsapp.
Newton Campos criou no sítio um programa chamado Plano do Aluno Organizado (PAO), em que jovens estudantes colaboram nas atividades na propriedade, aprendem técnicas de permacultura e tem participação na produção.
Foi uma opção do casal sair do meio urbano. “Tem sido transformador. É um marco em minha vida. Começo a enxergar a vida de uma forma totalmente diferente”, disse Vinicius. Os dois revezam o tempo entre os estudos e os afazeres no sítio.
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