Patrícia, transportada para cova rasa na própria geladeira
Patrícia Maria Alves da Silva, 44 anos, foi encontrada em uma cova rasa perto do Rio Tejipió. A geladeira onde ela guardava os alimentos vira maca

Cinco dias depois de desaparer, o corpo de Patrícia Maria Alves da Silva, 44 anos, foi encontrado num matagal à beira do Rio Tejipió, no bairro do Barro, no Recife — um lugar onde a luz parece nunca entrar.
Havia ali uma cova rasa, aberta às pressas, cercada de colchas, roupas, luvas de borracha, sandálias e tufos de cabelo preto, todos dela.
A geladeira, que um dia guardou o sustento da casa, onde transportaram Patrícia, foi arrastada por mãos sujas e deixada a uns 20 metros de cova, com o interior coberto de manchas vermelhas: sangue.
Foi ali, dizem os peritos, que Patrícia chegou pela última vez — talvez ainda respirando, talvez já sem voz para pedir socorro. O corpo foi localizado nesta última quinta-feira (9), o enterro, realizado nesta sexta-feira (10).
O silêncio das mulheres

Patrícia era empregada doméstica. Tinha 44 anos e um dos cinco filhos a chamava de “mãe guerreira”. Ela tinha um companheiro que agora a polícia procura como principal suspeito. Ele, ex-presidiário, morava com a vítima há poucos meses na comunidade Nova Conquista, no Barro, Zona Oeste da Capital.
O suspeito desapareceu logo depois da morte. Há indícios de que ele pode ser sido ajudado por outra pessoa, tamanho o peso da geladeira.
As últimas palavras com a família
Antes de sumir, Patrícia enviou uma mensagem estranha ao filho: pediu R$ 1 mil, em dinheiro.
“E eu mandei escrito para ela, para que ela queria (o dinheiro). E ela mandou um áudio dizendo que era para resolver umas coisas da vida dela, que estava tudo sob controle, que não se preocupasse com ela, que ela já era de maior. Eu já comecei a desconfiar daí”, contou o filho, sem mostrar o rosto, sem dizer a idade.
“Aí eu: 'mãe, não posso arrumar isso para a senhora', eu não sabia para que era”, respondeu ele.
“Não, tá bom. Se for para acontecer, acontece”, disse ela.
Essas foram as últimas palavras entre mãe e filho.
A sentença que antecipou o destino.
A casa aberta, a ausência viva
Quando os parentes chegaram à casa onde Patrícia morava com o companheiro, a porta estava aberta.
O vazio falava mais alto que qualquer grito.
“A gente sentiu falta do bujão, da televisão e da geladeira. Aí ele chegou a tirar todos os alimentos que estavam dentro da geladeira”, contou o cunhado.
A geladeira — a mesma — foi usada para transportar o corpo até o matagal.
No Recife, o doméstico e o macabro dividem o mesmo cômodo. Não há ufanismo, nem "linha reta". Só estatístias.
Uma perfuração no pescoço e fios de cabelo no chão

Os peritos do DHPP encontraram uma perfuração no pescoço. Perto da cova, fios de cabelo soltos, pedaços de tecido, marcas de arrasto.
Tudo parecia ter sido uma luta.
Talvez tenha lutado dentro de casa. Talvez dentro da geladeira.
No Instituto de Medicina Legal, o corpo agora é número, laudo, protocolo.
Mas cada vestígio parece repetir o mesmo refrão: “ela não devia ter morrido assim”.
O crime e o país
O delegado Sérgio Ricardo, do DHPP, confirmou: a principal linha de investigação é feminicídio.
O suspeito está foragido. As evidências apontam para um crime com requintes de crueldade e motivação doméstica.
A delegada Tereza Nogueira, da Delegacia de Desaparecidos, falou com voz firme:
“Agora a família pode, ao menos, viver o luto.”
E é disso que Pernambuco tem vivido — de lutos. De mulheres que desaparecem, de homens que se calam, de geladeiras que viram sepultura.
Patrícia Maria Alves da Silva, 44 anos, foi encontrada em uma cova rasa perto do Rio Tejipió. A geladeira onde ela guardava os alimentos maca, tumba.
Entre o rio e a culpa
O Rio Tejipió corre ao lado, indiferente.
A terra ainda úmida parece esconder o segredo que ninguém quer saber.
Mas o crime não é só dele. É nosso. De todos que se acostumaram a ler sobre mulheres mortas e virar a página.
Patrícia foi enterrada como quem é apagada. Mas há crimes que não se calam. Eles voltam, como o som de uma tampa de geladeira batendo no escuro.
A dor da despedida
Patrícia deixou cinco filhos. Todos estiveram presentes no velório e no enterro, realizado nesta sexta-feira (10), no Cemitério da Muribeca. Junto com outros familiares, eles observavam o caixão da mãe, presos ao momento, como se cada gesto contido carregasse a imensidão da perda.
A voz reservada da psicóloga
Ela fala de forma reservada — como quem espera despertar o fantasma da mulher que amou demais. É psicóloga, pediu reserva à reportagem, mas o que diz ecoa em tantas histórias que terminam em dor.
Uma mulher e um presidiário. Uma paixão que nasce entre grades, bilhetes e promessas. A psicóloga explica o nome dessa tendência: hibristofilia — palavra difícil para um sentimento que é puro desatino. Uma tendência que, possivelmente, não existe entre os homens, que praticamente abandonam as companheiras quando presas.
"A hibristofilia envolve interesse, atração sexual ou romântica por pessoas que cometeram crimes, especialmente crimes violentos, ou que são conhecidas por sua conduta criminosa. Esse fenômeno também é popularmente conhecido como 'Síndrome de Bonnie e Clyde' (em referência ao famoso casal de criminosos americanos)".
Do amor ao abismo
O amor, em certas mulheres, é uma vocação para o abismo. E há algo disso na explicação da psicóloga:
“Em alguns casos, a atração se concentra na percepção de poder e status do indivíduo, que, ao transgredir as normas sociais, é visto como uma figura forte e notória, o que pode ser sedutor. Outras pessoas podem ser movidas pelo desejo de ‘salvar’ ou reabilitar o parceiro, idealizando que seu amor pode ser a chave para a mudança. Curiosamente, quando o criminoso está detido, a pessoa de fora pode experimentar uma sensação de controle sobre o relacionamento, gerenciando as visitas e a comunicação. Por fim, para alguns, a natureza perigosa ou tabu do envolvimento com alguém que cometeu atos violentos fornece uma busca por emoção e adrenalina, ou pode estar ligada a um histórico de traumas ou relacionamentos abusivos.”
Ela fala com precisão clínica, mas há algo de trágico nesse diagnóstico: o amor como vício, o amor como penitência. A mulher que escreve cartas para o cárcere imagina-se heroína — e termina refém do próprio roteiro.
A psicóloga concluiu, e parece descrever o fim inevitável de tantas paixões rodriguianas:
“Toda a situação se esvai quando há confrontos, quando, no corpo do homem, junta-se a força, o machismo estrutural e o patriarcado que autoriza o homem a tratar a mulher como objeto de sua propriedade. Sendo assim, facilmente descartável em confrontos que levam à violências psicológicas, morais, sexuais, patrimoniais e especialmente lesões corporais graves e até à morte.”
E então o amor, que começou como salvação, termina como sentença. No altar ou na cela, a mulher acredita que pode mudar o homem — e o homem, considerando-se um ser supremo, a destrói.
Dados parciais
Acumulado de 2025 (Dados Parciais): Uma audiência pública noticiada em maio de 2025 mencionou que, no período de janeiro a abril de 2025, foram registrados 35 feminicídios em Pernambuco, um aumento em comparação com os 27 casos no mesmo período de 2024.
Socorro
- Ligue 180 para denúncias ou fale via chat de zap 61-99610-0180
- Ligue 190 se estiver em perigo imediato
Veja mais informações na matéria do JT1 e do Brasil Urgente de Simone e Marwyn Barbosa
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