Delegada cheira arma e não detecta tiro em caso que matou Lucas Brendo
Polícia alegou troca de tiros com suspeitos, mas delegada não identificou cheiro de pólvora na arma. Jovem de 29 anos morreu após perseguição
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A delegada responsável pela investigação inicial que envolveu uma perseguição de agentes do Bptran a quatro jovens em um veículo Chevrolet Classic cheirou a arma que teria sido encontrada dentro do carro onde estavam e não sentiu qualquer cheiro de pólvora.
No veículo, estava o passageiro Lucas Brendo da Silva, 29 anos, que faleceu ao levar um tiro dos policiais durante fuga do veículo, cujo motorista não quis parar porque seu IPVA estava atrasado. O BPTran seguiu o veículo até Prazeres, em Jaboatão, forçando a parada ao efetuar disparos.
Os policiais alegaram que estavam em risco de morte e, por isso, reagiram com tiros. Os passageiros do carro negam que tivessem atirado em qualquer momento. Asseguraram que não tinham armas de fogo no carro. Por outro lado, só cederam à abordagem policial quando não podiam mais fugir.
O carro abordado levava Lucas Brendo e mais três passageiros. O motorista era Samuel Norberto Bezerra da Silva. Thiago Felipe da Silva era o passageiro carona. Lucas Brendo Silva e Lucas Ricardo estavam no banco de trás. Todos voltavam de uma pelada em Boa Viagem.
Além da morte Lucas Brendo, Lucas Ricardo, também foi atingido por tiro nas nádegas e está internado no HR, correndo o risco de ficar sem andar.
Sem cheiro de pólvora
Segundo um dos passageiros sobreviventes, que preferiu não se identificar nesta segunda-feira (14), o objetivo era verificar se havia vestígios de pólvora — o que indicaria a troca de tiros entre eles e os policiais.
“A delegada (de nome não revelado) cheirou a arma que eles tentaram forjar pra gente e disseram que estava debaixo do banco. E dali viu que não tinha nenhum vestígio de pólvora. Que não ia autuar ninguém por conta disso”, contou.
A suspeita de que a arma possa ter sido plantada paira sobre o caso, mas até o momento não há provas concretas disso. Não foi solicitado exame residuográfico, que detecta se os ocupantes do carro dispararam tiros. Apenas o cheiro — ou a ausência dele — foi levado em consideração.
Câmeras de videomonitoramento podem ser cruciais para esclarecer o que de fato ocorreu durante a perseguição policial que terminou na morte de Lucas, na última sexta-feira (11).
O caso revela uma sucessão de erros: o motorista fugiu de uma blitz do Batalhão de Trânsito (BPTran) porque o carro estava com o IPVA atrasado; os policiais atiraram contra o veículo em movimento; e a delegacia não requisitou exames que poderiam atestar a versão oficial de troca de tiros com provas conclusivas.
Segundo a versão apresentada pelos policiais, os ocupantes do carro teriam disparado primeiro, e os agentes, que estavam em motocicletas, revidaram. Mas os sobreviventes contestam.
“Quando a gente estava voltando, já ali perto da Borborema, fazendo o retorno para pegar a Estrada da Batalha, eles começaram a efetuar vários disparos. Foi aí onde eu me desesperei e tentei subir o meio-fio”, disse um dos rapazes. “Ali, quando o carro ficou um pouco lento, eles deram mais vários disparos. Foi quando pegaram em Lucas Brendo.”
Os disparos atingiram dois passageiros no banco de trás. Um deles foi socorrido com ferimentos nas nádegas, passou por cirurgia e pode perder os movimentos das pernas. A informação inicial de que o tiro teria atingido a coluna foi descartada nesta segunda-feira (14).
Dois rapazes ouvidos na delegacia foram liberados sem precisar da presença de advogado
A família de Lucas afirma que não havia arma alguma no veículo. “Estão botando uma arma onde não existiu uma arma. Se existisse uma arma, quando a delegada prendeu, não tinha que soltar os rapazes. A arma tinha que ficar presa e tinha que ter um advogado para afiançar o rapaz que está preso”, disse a mãe, Ana Paula Aparecida da Silva.
O pai de Lucas, Cícero Conceição da Silva, fez críticas duras à atuação da polícia: “Como foi solto todos os dois e essa arma está na onde? Eu queria entender quantos tiros a polícia levou. Se não existiu tiro, a polícia matou. Esses policiais são despreparados. Para mim, não são policiais, são marginais. Eu tenho um único filho, era o amor da minha vida. Quero que a polícia pague por isso.”
O advogado da família, Ernesto Felipe, disse que não foi feito o exame residuográfico de pólvora. “Então esses são elementos da investigação que nós vamos ainda averiguar e, posteriormente, tomar as medidas cabíveis”, apontou.
A ausência de imagens, perícia completa e inconsistências nos relatos tornam o caso emblemático de um sistema onde falhas em sequência podem terminar em morte — mesmo que tudo tenha começado por um simples atraso de IPVA.
- Veja a versão da família: Família denuncia abuso após jovem morrer em perseguição por IPVA atrasado
- Veja a versão dos policiais: Homem morre e três são presos após confronto com o BPTran em Jaboatão
🔹 Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei nº 2.848/1940)
Art. 25 – Legítima defesa:
"Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem."
➡ Isso vale para qualquer cidadão, inclusive policiais. Eles não têm autorização irrestrita para atirar, apenas porque um suspeito fugiu, por exemplo.
🔹 Código de Processo Penal (Decreto-Lei nº 3.689/1941)
Art. 292, parágrafo único:
"Se houver resistência à prisão ou tentativa de fuga, o executor poderá usar dos meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência, do modo menos lesivo possível."
➡ O uso da força só é aceitável se for proporcional e em último caso.
🔹 Lei nº 13.060/2014 – Uso da Força por Agentes de Segurança Pública
Essa lei estabelece critérios claros para o uso da força, incluindo a letal:
“O uso da força letal só será admissível quando estritamente necessário, para proteger a vida do agente ou de terceiros.”
🔹 Normas internacionais adotadas pelo Brasil
Princípios Básicos da ONU sobre o Uso da Força e Armas de Fogo (1990)
Policiais devem utilizar armas de fogo somente em casos extremos, como:
Em legítima defesa;
Para impedir grave ameaça à vida;
Quando os outros meios forem insuficientes.
🔹 Outro ponto
Policiais não podem atirar em alguém que foge desarmado, não oferece risco imediato à vida, ou apenas desobedece a uma ordem de parada. Isso pode configurar:
Homicídio doloso ou culposo, dependendo do caso;
Abuso de autoridade (Lei nº 13.869/2019).
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