Saiam da frente
Apesar do lema 'mulheres e crianças primeiro', dados de naufrágios revelam que, na prática, a autopreservação masculina fala mais alto
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O grito é conhecido: “mulheres e crianças primeiro”. Simboliza a grandeza que os seres humanos devem ter diante das tragédias da vida – algo que nos distingue dos animais irracionais.
Dizem alguns que essa expressão foi ouvida pela primeira vez quando do naufrágio do navio HMS Birkenhead, no litoral da África do Sul, em 1852. Dizem outros que sua ata de nascimento jaz com o famoso Titanic, nos idos de 1912.
Seja como for, o pesquisador sueco Mikael Elinder teve uma ideia interessante: ver se isso era verdade. Ele começou estudando 18 naufrágios fartamente documentados, que envolveram 15.000 pessoas – e aí um oceano de covardia começou a surgir.
Constatou-se que os homens abandonaram as mulheres, tomaram a dianteira e garantiram para si índices de sobrevivência quase duas vezes superiores aos delas. Se falarmos de crianças, a realidade fica ainda pior: diante de um desastre, sobrevivem à taxa de apenas 15%!
Mais há: nos desastres pesquisados, o índice de sobrevivência das mulheres ficou em magros 19%, contra 37% dos homens – e inacreditáveis 61% das tripulações! Constatou-se que o elemento com maiores probabilidades de sobrevivência foi exatamente o capitão do navio – aquele mesmo que, pelas galantes regras do mar, deveria ser o último a dele sair.
A quem disser que estes eram números de desastres antigos, respondo com os do naufrágio do navio Estonia, acontecido em 1996 – nos nossos dias, pois. Somente 137 dos 989 passageiros sobreviveram.
A bordo, o percentual de homens e mulheres era praticamente idêntico: 51% contra 49%. No entanto, apenas 26 mulheres (5,4%) sobreviveram, contra 111 homens (22%). Teria sido um problema de idade? Não: a idade média dos homens a bordo era de 44,7 anos, e a das mulheres 45,7 – ou seja, praticamente empatados.
Tradução: na hora do “vamos ver”, o índice de sobrevivência dos homens foi umas quatro vezes superior ao do denominado “sexo frágil”.
Esses vergonhosos números se reforçam diante das mortes de crianças: apenas 12,5% delas sobreviveram – contra, recordo, 22% dos homens. Se considerarmos os adultos a bordo, a vergonha será imensa: 27,4% deles sobreviveram, mais que o dobro do índice das crianças!
Este quadro pode parecer surpreendente. Mas não é. Que tal nos lembrarmos que a cada cinco segundos morre uma criança de fome pelo planeta afora?
E o que dizer das 20 crianças que diariamente perecem aqui no Brasil, vítimas de doenças causadas pela falta de um sistema de saneamento básico decente?
Enquanto isso, na África, quando uma manada de elefantes é atacada por leões, os elefantinhos são posicionados atrás dos adultos, de forma a garantir uma melhor segurança.
E, no ocaso da vida, um velho elefante não depara-se jamais com o abandono – a manada fica sempre ao redor, solidária e firme.
Dizem que os elefantes são animais irracionais. Mas desconfio que a cada barrido, e em um triste contraste com a raça humana, eles estão gritando, de forma verdadeiramente sincera e grande, “mulheres e crianças primeiro”.
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