"Uberização" do trabalho: empresas querem contratar por meio de aplicativos
Com os profissionais cada vez mais interessados em trabalhar por conta própria, empresários pedem liberdade para um novo modelo, fora da CLT atual
Escute essa reportagem

O aumento da informalidade no País tem criado dificuldades para empresários, que destacam a necessidade de se buscar alternativas para reduzir tal situação e sugerem até a criação de aplicativos para conectar empresas e trabalhadores.
A situação é mostrada em levantamento recente do Instituto Datafolha, que mostrou que seis em cada 10 brasileiros preferem atuar por conta própria, enquanto apenas 39% ainda veem a CLT como melhor opção.
Empresários consultados pela reportagem relatam dificuldade em contratar e que há uma preferência cada vez maior por atuar de forma autônoma como motorista ou entregador por aplicativo em plataformas como Uber e iFood do que com carteira assinada.
“É preciso rever as relações de trabalho. O sistema atual não satisfaz nem os trabalhadores, nem os empresários. É preciso integrar mais a tecnologia à realidade do trabalho”, avalia o presidente do Sindicato dos Restaurantes, Bares e Similares do Espírito Santo (Sindibares), Rodrigo Vervloet.
Por conta disso, eles defendem que uma alternativa inspirada justamente nesse modelo “uberizado” de trabalho deveria ser criada para reatrair os trabalhadores ao serviço formal.
“Não deve ser nada que prejudique o trabalhador, mas que traga a ele maior flexibilidade”, explica João Falqueto, presidente da Associação Capixaba de Supermercados (Acaps).
Para o vice-presidente da Associação das Empresas do Mercado Imobiliário do Estado (Ademi-ES) Flávio Dantas, criar um aplicativo para referendar as contratações de profissionais permitiria maior controle do governo e maior regularidade quanto a possíveis benefícios ao trabalhador.
Já o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis do Estado (ABIH-ES), Fernando Otávio Campos, explica que o regime CLT foi criado em outra realidade e que hoje, em sua avaliação, falta flexibilidade. Ele detalha que a legislação e a carta tributária atual impedem inclusive o crescimento da renda do trabalhador.
“Meu filho teve de passar a atuar no regime de Pessoa Jurídica para poder receber mais de uma empresa de desenvolvimento de software, por exemplo”, conta, ressaltando que uma nova modalidade teria de ser bem regulamentada para não prejudicar o trabalhador.
Plataformas intermediadoras são alvo de ações na Justiça

Algumas plataformas que surgiram com o objetivo de fazer a intermediação entre empresas e trabalhadores estão sendo alvo da Justiça do Trabalho no País.
Um dos exemplos está no app capixaba Switch, voltado para contratação de mão de obra para bares e restaurantes no País. Em março deste ano, o Ministério Público do Trabalho (MPT) ingressou com uma ação civil pública contra a Switch, alegando que o serviço funciona como uma terceirizadora de mão de obra e que os trabalhadores não podem ser considerados autônomos.
“O fato de o obreiro poder escolher o horário em que trabalha ou de aceitar o trabalho disponibilizado (assumindo os riscos da punição), não tem o condão de tornar a prestação de serviço autônoma, especialmente quando sequer há liberdade de escolher a roupa que vai utilizar, o valor do trabalho e o tempo de execução”, sustenta a ação movida pelo órgão contra a plataforma.
O MPT pede que a Switch pague uma indenização por danos morais coletivos de 10% de seu faturamento e siga a legislação federal para regulamentar a prestação de serviços temporários e terceirizados.
A reportagem tentou contato com a Switch sobre a situação, mas não obteve retorno até o fechamento desta edição.
Raio X da situação - Ambos os lados insatisfeitos com as regras atuais
Rejeição à CLT
A preferência pelo trabalho com carteira assinada está em queda livre no Brasil. A rejeição ao modelo tradicional de trabalho ganha força — e não é só entre os jovens.
O dado vem da última pesquisa do Datafolha feita em junho de 2025: quase 6 em cada 10 brasileiros preferem atuar por conta própria, enquanto apenas 39% ainda veem a CLT como melhor opção.
“A lógica mudou. O tempo virou o ativo mais valorizado”, explica Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva.
“Com as novas formas de rentabilizar esse tempo — como aplicativos, vendas online e microempreendimentos — o modelo tradicional passou a ser visto como limitador”, completa.
Jovens fora do mercado formalSegundo dados do IBGE, 2,5 milhões de jovens entre 14 e 24 anos saíram da força de trabalho desde 2019. Apesar disso, a taxa de desemprego caiu de 12,8% para 7% — a menor para um primeiro trimestre desde 2012. O fenômeno se explica: boa parte desses jovens voltou a estudar, impulsionada pela ampliação dos benefícios sociais, como o Bolsa Família.
Para Daniel Duque, economista da FGV, “houve um efeito positivo para a educação.” ”Mas, no curto prazo, a indústria sofre com a falta de mão de obra qualificada”, ressalta.
Aplicativos como alternativa
Setores variados, como o de supermercados, restaurantes e construção civil relatam déficit de trabalhadores.
Segundo empresários, o fenômeno se deve à opção desses profissionais por atuarem como motoristas ou entregadores em aplicativos como Uber e iFood, além de argumentarem que os benefícios sociais oferecidos pelo governo federal estariam incentivando a população a não terem um emprego formal, seguindo na informalidade.
Por conta disso, empresários sugerem uma revisão na legislação trabalhista que crie uma nova modalidade de vínculo empregatício, de forma a integrar o sistema utilizado no serviço por demanda (como o realizado por motoristas) ao mercado formal de trabalho.
Custo trabalhista incomoda
Outro argumento colocado por empresários é que os custos trabalhistas impedem o pagamento de salários melhores aos funcionários.
Para as empresas, a CLT gera mais custos, visto que é preciso arcar com diversas outras taxas além do salário propriamente dito. Em contrapartida, esse formato favorece a retenção de talentos, pois os benefícios são formas de valorizar o esforço.
O verdadeiro custo de um funcionário para a empresa vai muito além do seu salário e pode chegar até 3 vezes o valor do salário, pois existem tributos que fazem parte desta conta e que precisam ser levados em consideração: férias, 13º salário, FGTS, vale transporte, vale-refeição, plano de saúde e mais.
MATÉRIAS RELACIONADAS:




Comentários