Gigantes foram os mais beneficiados por programa de incentivo durante a pandemia
Programa criado para apoiar empresas do setor de turismo, bares e restaurantes, o Perse beneficiou, sobretudo, a big tech Airbnb
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Extinto ao atingir R$ 15 bilhões, o Programa Emergencial de retomada do Setor de Eventos (Perse) concedeu uma última rodada de benefícios, no valor de R$ 3,5 bilhões, no início deste ano. Os maiores beneficiários desta última rodada foram as grandes empresas de turismo, lideradas pela Airbnb, com R$ 48,5 milhões, seguido do Madero, com R$ 39,3 milhões. Já no ano passado o principal beneficiado foi o iFood, que recebeu R$ 654 milhões.
O perfil de grandes empresas serem as maiores beneficiadas é reflexo do desenho do programa, segundo João Amadeus, advogado especialista em Direito Tributário. O volume de desconto é proporcional ao tanto que essas mesmas empresas pagariam se não existisse o programa. “A maior parte do setor ficou desassistida”, afirmou o advogado Luis Eduardo Veiga.
O presidente do Sindicato de Bares e Restaurantes do Estado (Sindibares), Rodrigo Vervloet, afirmou que o programa ofereceu suporte relevante a diversos segmentos, mas houve limitações.
Para Vervloet, o programa, ao não incluir, de forma eficaz, as micro e pequenas empresas, justamente as mais vulneráveis à crise, falhou em oferecer uma resposta proporcional ao impacto sofrido por esse grupo. “Foi uma reparação desigual. Empresas do setor que atuam sob o regime do Simples Nacional tiveram menos apoio, e agora continuarão inviabilizadas. Houve erro técnico e também omissão que ameaça milhares de postos de trabalho”.
Crítica semelhante fez o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis do Espírito Santo (ABIH-ES), Fernando Otávio Campos.
“A maior culpa de as empresas pequenas não conseguirem fazer uso dos benefícios fiscais está na burocracia tributária brasileira. Nem com IAs é possível entendê-la corretamente. Com a reforma tributária, isso irá mudar e tornará possível que as empresas usem de impostos pagos para compensar impostos a pagar”.
Empresas dão justificativas
Em nota, o Airbnb informou que o Perse foi um programa importante para a retomada do setor de turismo, do qual faz parte.
Enquanto se beneficiou do programa, o Airbnb disse que repassou o benefício relativo à aliquota zero de PIS e Cofins, que representou mais de 80% do total dos valores apurados pelo Airbnb, para hóspedes e anfitriões, por meio da diminuição do valor pago como taxa de serviço por eles.
Já o iFood informou, em nota, que sua adesão ao Perse cumpriu todos os critérios estabelecidos pela legislação, que contemplou a atividade de intermediação em seu escopo inicial, e foi confirmada pela Justiça em primeira instância.
A empresa deixou de usar o benefício a partir deste ano e informou que, durante a pandemia, direcionou mais de R$ 400 milhões em fundos de assistência a restaurantes e entregadores parceiros.
Já o Grupo Madero informou que fez uso do benefício pelo período previsto na regulamentação, mediante habilitação pela Receita, em julho de 2024, e que o benefício foi “fundamental para aliviar parcialmente o enorme impacto do endividamento absorvido pelas empresas do setor durante a pandemia”.
Advogados apontam problemas com restrições
Na opinião de especialistas da área jurídica, as restrições legais para ingresso no Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), validadas recentemente pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), geram um problema concorrencial devido à forma como foram criadas.
Segundo eles, as teses do STJ confirmam que apenas as empresas previamente inscritas no Cadastur podem usufruir do Perse. O Cadastur é um sistema criado pela Lei 11.771/2008 e gerido pelo Ministério do Turismo, como ferramenta para formalizar e legalizar os serviços da área. Para algumas atividades, o registro é obrigatório. Para outras, como bares e restaurantes, é facultativo.
O advogado Gustavo de Carvalho diz que a exigência do Cadastur comprometeu a competitividade de empresas desobrigadas da inscrição.
“A consequência financeira é evidente e expressiva, já que essas empresas perderam a oportunidade de reduzir drasticamente sua carga tributária, durante 5 anos, em um momento de grande fragilidade econômica”, avalia.
Na mesma linha, o advogado tributário Luiz Henrique Garcia Chaves ressalta que a exigência do Cadastur não estava na redação original da lei. “Tal exigência pode gerar conflitos concorrenciais”, afirma.
SAIBA MAIS
O que é o Perse?
O Perse é uma iniciativa do governo brasileiro, criada em 2022, para apoiar o setor de eventos, que foi gravemente afetado pela pandemia de covid-19.
O programa visa fornecer auxílio financeiro, incentivos fiscais e outras formas de suporte para ajudar na recuperação econômica das empresas e profissionais desse setor.
O benefício consiste na redução a 0% das alíquotas de tributos incidentes sobre as receitas e os resultados auferidos pelo desempenho das atividades relativas ao setor de eventos.
Em 2024, os benefícios foram reformulados para serem extintos até dezembro de 2026. Mas o limite do teto em reais também foi imposto, e foi atingido recentemente, o que significa que o programa será extinto.
Críticas
Críticos do programa explicam que empresas do setor que atuam sob o regime do Simples Nacional, justamente uma boa parte dos pequenos bares e restaurantes brasileiros, ficaram à margem desse processo de compensação.
Segundo o presidente do Sindibares, Rodrigo Vervloet, essas empresas, que também enfrentaram fechamentos prolongados, queda brusca de receita e dificuldades operacionais severas, não foram contempladas pelo mesmo alívio fiscal oferecido pelo Perse. E, até hoje, segundo ele, continuam sem qualquer medida equivalente de reparação ou incentivo direto.
“O programa foi essencial para a sobrevivência de muitos empresários, mas teve suas limitações. Ao não incluir, de forma eficaz, as micro e pequenas empresas, justamente as mais vulneráveis à crise, o Estado falhou em oferecer uma resposta proporcional ao impacto sofrido por esse grupo. A reparação econômica do setor de alimentação fora do lar, nesse sentido, foi desigual”, afirma.
Polêmica do Ifood
Além disso, o iFood, empresa de intermediação de serviços, foi incluído no Perse, o que gerou polêmica, já que a empresa teve um aumento de demanda durante a pandemia, enquanto outros setores foram mais afetados.
Fontes: Valor Econômico, Jornal O Globo e Sindibares
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