Bode expiatório
Coluna foi publicada no domingo (20)
Leitores do Jornal A Tribuna
Há poucos anos descobriu-se que durante o século XX o número de pessoas que morreram em acidentes de trânsito no Brasil chegou a um milhão. Constatou-se que quase 4% das mortes acontecidas aqui tinham como causa o trânsito, contra apenas 1,8% dos EUA, 1,5% da França e 1,1% do Japão. Estimou-se que gastávamos US$ 10 bilhões a cada ano em decorrência dos acidentes de trânsito.
Começou, então, a busca pelos culpados. Concluiu-se que nossas leis eram muito frouxas. E foi assim que surgiu o novo Código Nacional de Trânsito, mais rigoroso.
Comemorou-se uma queda no número de mortes. Mas não foi o bastante. Nossas estradas continuaram sendo um matadouro. Cumpria localizar um novo culpado. Chegou-se ao álcool. Passamos, então, a ter uma das mais rigorosas legislações do mundo sobre álcool e direção.
Celebrou-se nova queda no número de mortes. Mas também não foi o suficiente. Nossas ruas e rodovias ainda são palco de carnificinas diárias. Segundo dados divulgados em 2008 continuamos gastando US$ 10 bilhões por ano em função dos acidentes de trânsito.
Havia que se buscar novos culpados. Localizaram outros suspeitos: as más condições do clima e a falta de atenção dos motoristas! Recentemente vi uma estatística indicando que estes dois fatores, sozinhos, respondem por 71,13% dos acidentes! Veio-me à mente que, pelas estatísticas, o lugar mais perigoso do mundo é a cama - é onde mais se morre!
Fiquei a recordar uma piada segundo a qual uma pessoa estava à noite, procurando ao redor de um poste aceso, algo que havia perdido longe dali, em um matagal escuro. Indagado por alguém sobre os motivos de estar procurando no lugar errado o dito cujo deu uma resposta curiosa: “aqui é mais fácil procurar porque está iluminado”.
Pois é. Talvez o maior culpado esteja lá longe, fora dos holofotes, pouco comentado exatamente porque é trabalhoso. Refiro-me às condições de nossas vias. Dia desses, por exemplo, li que a buracada existente em uma única estrada causou, em apenas seis meses, 118 acidentes, com 97 feridos e 10 mortes. Ao invés de corrigir-se a estrada fez-se apenas colocar uma triste placa: “Cuidado, buracos na pista”.
Eis aí o grande assassino que ronda nossas estradas. Segundo um estudo da Confederação Nacional dos Transpor tes 72% de nossas vias estão em péssimas condições. Uma em cada dez rodovias brasileiras não tem qualquer tipo de sinalização. Em 2007 calculou-se que apenas nas estradas de São Paulo surgem cerca de mil buracos por dia. Mais há: 40,8% de nossas rodovias precisariam ser totalmente refeitas, pois nem reparos comportam mais.
A verdade é que o motorista brasileiro tem feito a sua parte - suporta uma alta carga tributária e tem sobre si uma legislação das mais severas do planeta. Assim, talvez seja a hora de perguntar quando terá estradas decentes e seguras, aliviadas por um sistema ferroviário compatível com a grandeza do Brasil. Fugir deste debate é procurar o culpado no lugar errado só porque lá está iluminado
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