Especialistas dizem como evitar que filhos vivam a “geração do quarto”
A pedido de A Tribuna, especialistas dão dicas que prometem ajudar os pais na árdua tarefa de evitar o isolamento social dos jovens
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A adolescência não é uma fase fácil, nem para os adolescentes e nem para os pais, afirmam especialistas.
Eles alertam que as transições e as pressões características dessa fase da vida podem levar ao sofrimento psíquico, o que faz com que muitos jovens optem pelo isolamento.
Momentos de conversas em família, estímulo ao autocuidado e autoconhecimento e limites no uso das redes sociais são algumas dicas de estudiosos do comportamento do adolescente para que os pais previnam que seus filhos façam parte da “geração do quarto”.
O termo é descrito na pesquisa do pós-doutor em Estudos da Criança, Hugo Monteiro Ferreira, que revelou que 75% dos adolescentes entre 11 e 18 anos que participaram do estudo passam muito tempo dentro do quarto e com quase nenhuma conversa com as pessoas que moram na mesma casa.
“São adolescentes que passam mais de seis horas dentro do quarto, usam excessivamente as redes sociais digitais, têm muita dificuldade de interlocução dentro de casa e todos com experiência de serem vítimas bullying ou cyberbullying. Além do potencial de violência, contra si e contra o outro”, descreve o pesquisador.
O professor revelou ainda que a pesquisa surgiu de uma inquietação dos pais, incomodados com o tempo que os filhos passavam no quarto.
Privacidade
A psicoterapeuta Myriam Durante explica que ficar no quarto se torna muito atrativo para os jovens que querem mais liberdade e privacidade e atingem isso se isolando. “O grande erro dos pais é achar que isso é uma fase. É importante saber quando o isolamento dos jovens não é sadio”.
Por isso, os pais devem ficar atentos e evitar que esse comportamento cresça. É o alerta do terapeuta de família e psicopedagogo Cláudio Miranda, colunista do jornal A Tribuna. “Para isso, eles devem estabelecer limites muito claros de convivência com os filhos, tais como não fechar a porta do quarto, fazer as refeições fora do cômodo, determinar um tempo limite de uso das redes sociais, entre outros”.
O mais indicado, segundo a psiquiatra infantil Fernanda Mappa, é evitar criar a sensação de que o jovem tem tudo que precisa dentro do quarto.
O adolescente, em geral, gosta de convívio social, o que não quer dizer que, se um jovem for mais quieto, está com problemas. É o que pondera o psicólogo Rodrigo Leal. “Recomendo que os pais busquem o diálogo primeiramente. Busquem assuntos que possam abrir o diálogo”.
Volta por cima

A adolescência foi um período difícil para a universitária Dálete Rodrigues de Souza, 18. A mãe dela, Dayane Uyara Nunes Rodrigues, 40, contou que a jovem ficava muito tempo no quarto, o que gerou preocupação.
“Era difícil conseguir tirá-la do quarto, principalmente porque ela se sentia excluída. Foi vítima de bullying e o escape dela era o quarto e o celular. Ela ficou muito rebelde. Mas depois entendi que tudo era fruto das frustrações e dores que ela enfrentava”, conta a mãe.
Hoje, a universitária está bem melhor. Com ajuda psicológica, a família conseguiu superar e resgatar a jovem do isolamento no quarto e na vida.
“Cortes para aliviar a tristeza”
Após um ano de pandemia, a filha de 13 anos de uma empresária de Vitória começou a apresentar sintomas que chamaram a atenção da mãe.
“Ela mudou, queria ficar só no quarto e não queria mais sair no final de semana para ir a praia. Foi quando descobri que ela tinha se cortado para ‘aliviar a tristeza’ e estava apresentando transtorno alimentar. Nunca imaginei isso!”.
A mãe contou que hoje a filha está melhor. “Mas é um processo muito lento. Tive que aprender a esperar, achei que ela iria melhorar em alguns meses, mas demorou”.
Saiba Mais
A “geração do quarto”
- O termo denomina adolescentes que passam muito tempo dentro do quarto e com quase nenhuma conversa “face a face” com as pessoas que moram na mesma casa. Eles têm dificuldade de dizer o que sentem e um potencial de violência contra si ou contra o outro muito intenso.
- Essas características são resultado de uma pesquisa feita com meninos e meninas entre 11 e 18 anos, dos quais 75% apresentam tais relatos.
- O pesquisador Hugo Monteiro Ferreira, professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco, observou ainda que esses jovens relatam terem sido vítimas de bullying ou cyberbullying e possuem uma relação intensa com a internet.
- A pesquisa começou a ser desenhada em 2016, quando o professor observou a inquietação e as queixas dos pais de que os filhos passavam muito tempo dentro do quarto. O estudo terminou em 2019 e se transformou em livro: “A geração do quarto: Quando crianças e adolescentes nos ensinam a amar”.
Fonte: Hugo Monteiro Ferreira, escritor e professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco.
As Estratégias
1) Estimule o autocuidado
O autocuidado é fundamental e tem a ver com a questão da autoestima, de poder trabalhar fragilidades, medos e inquietações. Ajude o adolescente a exercer o autocuidado estimulando o exercício físico, o cuidado com o sono, a boa alimentação e também a manter boas relações.
Seja exemplo, o cuidado também é cuidar do outro. Quem se cuida quer que o outro esteja bem também. Cuidado não é superproteção, é também conseguir dar liberdade mesmo que vigiada.
2) Ajude a desenvolver o autoconhecimento
Estimule e ajude o adolescente a se conhecer melhor. Converse sobre quem é a família, as histórias, conte de onde a família veio e sobre a ancestralidade.
Converse e dê a sua opinião sobre assuntos que tenham a ver com esse adolescente. O autoconhecimento é importante para que ele se reconheça como pessoa e cidadão na sociedade.
3) Conheça seu filho
Os pais devem esquecer a ideia de que todo filho e/ou adolescente é igual e entender desde cedo como é o seu temperamento, personalidade e afinidades. Evite comparações com outras pessoas, mesmo que sejam irmãos, por exemplo.
Além disso, é preciso observar os limites que ele precisa receber, mas também os limites que ele impõe na relação.
4) Provoque a convivência com o diferente
O respeito à diversidade é essencial. Ensine o seu filho a respeitar aquilo que é diferente dele. Para isso é necessário estimular que ele conviva com diferentes pessoas e com as pluralidades culturais, linguísticas, econômicas e sociais e também de orientação sexual e de gênero.
5) Escute com atenção e sem julgamentos
O diálogo tem a ver com a escuta. É preciso ouvir sem julgar, sem condenar e sem comparar.
Procure se interessar e pesquisar sobre assuntos que o adolescente goste de conversar ou fazer. Não diga que o que ele gosta é bobagem ou coisa de criança. Se interesse, peça para que ele mostre e te explique. Isso mostra que ele é interessante para os pais. Estimule a conversa.
Apoie os projetos pelos quais o seu filho se interessa, contribua para a vida social dele e o inclua nos projetos e atividades familiares, respeitando o seu tempo e espaço.
6) Momentos de diálogo
Desenvolver o diálogo em família é importante e deve ser feito desde a infância. Uma sugestão é os pais criarem dia e horário para fazer uma reunião familiar com cinco passos, que incluem agradecimento inicial pela família e pela vida e leitura de um conto ou uma história para reflexão e deleite de todos.
Depois os pais podem propor a confecção compartilhada de um cartão, uma dobradura, uma charada ou uma piada. Outra sugestão é um agradecimento final e depois o compartilhamento de uma sobremesa, que é um momento onde quase sempre surge um assunto novo.
7) Evite criar o ambiente perfeito no quarto
O mais indicado é evitar criar a sensação de “meu quarto, meu mundo”, onde dentro do quarto o adolescente tem tudo o que precisa, como televisão, celular, computador e videogame. Mantenha televisão, computador e videogame em cômodos da casa que sejam de uso comum. Dessa forma, o isolamento no quarto fica mais difícil.
8) Portas abertas e de acesso livre
Não deixe que o adolescente fique dentro do quarto por horas com a porta fechada e sem acesso dos pais. Os cuidadores desses jovens devem entrar no quarto, conversar e saber o que estão fazendo. Não deixe que ele se isole só porque não quer incomodar ou para dar privacidade.
9) Atividades fora do quarto
Uma regra importante é que o adolescente faça as refeições fora do quarto, de preferência com a família. Vale estimular atividades que exijam que o adolescente fique menos tempo isolado.
Os cuidadores também podem criar atividades em que o filho tenha que sair de casa: aula de reforço, curso de inglês, natação, música, academia e esportes. Além de evitar o quarto e estimular a socialização, são boas atividades para a liberação de endorfina.
10) Tempo e supervisão com celular e redes sociais
Os pais devem determinar um limite de tempo para o uso das redes sociais, sempre com supervisão e interesse pelo que o filho faz na internet. É importante também ficar atento ao comportamento e às postagens dos filhos nas redes. O tipo de texto pode trazer sentimentos que não são expressados. Proibir uso livre desses dispositivos.
Fonte: Especialistas consultados.
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