Doutor em educação alerta: “Pais precisam abrir mão das expectativas”
Hugo Ferreira diz que escuta acolhedora e sem julgamentos é fundamental para aproximar pais e filhos
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A adolescência é uma fase de busca por aceitação, principalmente entre os colegas, fenômeno que pode tornar a relação com os pais menos próxima, já que buscam por independência.
Por isso, a escuta acolhedora e sem julgamentos e a aceitação de quem os filhos são estão entre os pilares defendidos pelo doutor em Educação e pós-doutor em Estudos da Criança, Hugo Monteiro Ferreira, para que os pais consigam ajudar os filhos a não fazerem parte da “geração do quarto”.

“A primeira coisa é que os pais precisam trabalhar com a escuta acolhedora, que é aquela que se ouve sem julgamentos. O que significa abrir mão dos seus sonhos, das suas expectativas, dos seus desejos, da ideia de filho que tenha e olhar para aquele que aparece ali. Os pais precisam abrir mão de suas expectativas e ideais de filho”.
Hugo explica que isso é necessário para que os cuidadores possam ouvir os filhos a partir da estrutura da personalidade deles. “Então, é preciso escutar essa personalidade que se mostra, mesmo que seja de um jeito diferente do que esse pai gostaria que fosse”.
Para a psiquiatra infantil Fernanda Mappa, ninguém se torna adolescente de repente, é um processo que começa na primeira infância, fase em que deve ter início a escuta e o acolhimento dos pais.
“Esse processo de construção da relação pautada na conversa, na confiança e na reciprocidade social e emocional precisa ter uma base forte para que quando o 'adolescer' acontecer não seja percebido de forma tão dolorosa e distanciada como muitos pais percebem”.
Uma pesquisa realizada pelo instituto de pesquisa Ipec em agosto deste ano, com crianças e adolescentes de 11 a 19 anos, mostrou que 74% deles querem espaços em que eles possam falar sobre os sentimentos.
“Desenvolver o diálogo em família é muito importante. Nesse caso a mudança deve partir dos pais. Deve-se procurar se interessar e se importar com os assuntos dos filhos. É provável que muitos filhos não sintam esse interesse e reciprocidade por parte dos pais”, alerta o terapeuta de família e psicopedagogo Cláudio Miranda, colunista do jornal A Tribuna.
Vale destacar, segundo o psicólogo Alexandre Brito, que os adolescentes nem sempre sabem como pedir ajuda e nem sempre se sentem acolhidos o suficiente para “se abrir”. “Então os pais devem refletir: até que ponto estão dispostos a escutar seus filhos sem julgar e querer mudar quem eles são ou desejam ser?"
Comportamento na escola ajuda a identificar mudança
Com a rotina agitada dos pais, nem sempre é possível ficar muito tempo em casa com os filhos para observar sinais de mudança de comportamento. Mas professores podem ajudar nessa tarefa.
Segundo especialistas, o comportamento dos adolescentes na escola pode ajudar a identificar sofrimentos psíquicos.
“A escola é onde eles costumam conviver com os amigos e praticar esportes. São nesses pontos, comuns à vida de um jovem, que se pode começar a observar comportamentos diferentes”, destaca a psicóloga Lana Francischetto.
Para a psicóloga da Medquimheo Larissa Pagung, a escola tem um papel importante na vida do adolescente e sempre está muito atenta aos sinais.
“O vínculo escola e família precisa ser fortalecido e é importante compreender que ambos trabalham para o desenvolvimento do adolescente. Podem ocorrer também ações informativas sobre saúde mental e emocional nas escolas, que ajudam os adolescentes a compreenderem sinais de que precisam de ajuda profissional”.
De acordo com a psiquiatra infantil Fernanda Mappa, as escolas tendem a ser grandes parceiras das famílias.
Prejuízos no mercado de trabalho
Sem ajuda da família e de especialistas, a “geração do quarto” pode ter prejuízos na vida adulta, nos relacionamentos e até no mercado de trabalho.
“Esses jovens podem ter um futuro incerto e prejudicado, falta de comprometimento nas atividades profissionais, prejuízo no trato social e atraso no desenvolvimento”, indica o psicólogo e escritor Alexander Bez.
Se o isolamento extremo não for tratado e cuidado, os jovens podem se tornar adultos solitários com diversos distúrbios psicológicos cristalizados, observa a psicoterapeuta Myriam Durante.
A falta de diálogo com a família e o isolamento social desses jovens pode trazer uma falta de habilidade de comunicação e estratégias saudáveis de aproximação social, alerta o terapeuta de família e psicopedagogo Cláudio Miranda.
“O mundo é coletivo. Precisamos do outro e aprendemos muito com o outro. Sem interação socioemocional perderemos oportunidades valiosas de crescimento pessoal”, destaca.
Esse déficit de repertório socioemocional tenderá a repercutir em sua vida profissional, completa a psiquiatra infantil Fernanda Mappa.
“Podem ter maior dificuldade de manutenção em empregos, por exemplo, por causa da dificuldade em seguir regras, bem como dificuldade em lidar com desafios e obstáculos já que a capacidade de resolutividade de problemas também fica comprometida”.
Zelar pelo filho é dever dos pais
Deixar o filho se isolar não é uma opção para os pais, diz a lei. De acordo com o artigo 1634 do Código Civil, os pais têm o dever de ter seus filhos em sua companhia.
“O artigo diz claramente que compete aos pais quanto à pessoa dos filhos, dentre outros, dirigir-lhes a criação e educação. Tê-los em sua companhia e guarda. Exigir que lhes prestem obediência e respeito, assim como que façam serviços compatíveis com a idade e condição”, destaca a advogada especialista em Direito das Famílias e Sucessões, presidente do IBDFam-ES, Flávia Brandão.
Ela destaca ainda que a lei não dá direito aos pais de extrapolarem a individualidade de seus filhos. “Se o filho tem uma característica mais introspectiva, introvertida, e isso não for sintoma de um problema psicológico, não há como obrigá-lo a socializar. Entretanto, é dever dos pais observar atentamente o comportamento dos filhos como um todo”.
A relação entre pais e filhos não deveria ser impositiva, mas sim harmônica e construída, é o que defende a advogada Bruna Aquino.
“Os pais possuem deveres essenciais à paternidade, tais como dever de guarda, educação e sustento e, eventualmente, para garantir o cumprimento desses deveres deverão se valer de sua autoridade parental, sem extrapolar os direitos da criança e do adolescente”.
As especialistas alertam também para a responsabilidade dos pais quanto ao bullying e cyberbullying que marca a “geração do quarto”.
“Cyberbullying não é brincadeira e, se considerado verdadeiramente crime, o menor poderá sofrer sanções disciplinares estabelecidas pelo ECA (Estatuto da Criança e Adolescente) e os seus pais condenados a pagar indenização. Quando o menor é vítima, é fundamental que os pais busquem ajuda até mesmo por meio de denúncias em delegacias especializadas. É também possível abrir processo que vise a reparação do dano causado”, destaca a advogada Flávia.
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